Para-atleta brasileira é “cobaia” em tratamento contra doença rara

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Nadar 12 quilômetros em mar aberto com um braço só e sem movimentar as pernas, entrando para o Guinness Book, o livro dos recordes. Esse foi o feito conquistado na última segunda-feira (12) em Salvador por Verônica Almeida, para-atleta brasileira. Pode parecer a maior superação de toda a sua vida, realizada em um único dia. No entanto, este último êxito na água salgada é "apenas" a mais recente vitória da baiana de 39 anos.

Os triunfos à base da superação são mais antigos. A mãe de gêmeos é medalhista paraolímpica na natação classe S7 (para atletas com limitação motora e física) e há oito anos trata de uma doença rara. A luta requer não só esforço, mas uma boa dose de coragem. O desafio encarado pela baiana é para poucos.

A vida da atleta mudou completamente em 2007, quando descobriu possuir uma doença rara, a Síndrome de Ehlers-Danlos, em que as células do corpo não conseguem produzir colágeno (proteína que fortalece e une os tecidos do corpo). O médico deu apenas um ano de vida para Verônica, que encontrou na internet a única esperança para viver: se candidatou a um tratamento experimental francês após longas buscas de informações.

Entenda a Síndrome de Ehlers-Danlos

Roberto Vital, médico do CPB (Comitê Paraolímpico Brasileiro): "É uma patologia rara do tecido conjuntivo. As células não produzem colágeno suficiente, resultando em deformações e luxações (deslocamento dos ossos) frequentes. Pode causar morte por complicações diversas, até cardiovasculares. Não há tratamento no Brasil. Por aqui é comum se tratar conforme as luxações acontecem, com cirurgia, por exemplo. O único tratamento é experimental, na França."

"Eu entrei na internet quando o médico me deu um ano de vida e tentei uma solução. Preenchi uma ficha para um teste experimental e fui escolhida para compor um grupo de 20 pessoas", contou Verônica, que atualmente não anda e não tem o movimento do braço direito.

Ser "cobaia" de testes que podem resultar até em morte assusta qualquer um. Não é diferente com Verônica e a família, mas foi justamente a partir desta decisão que a rotina da para-atleta mudou para a melhor.

Desde 2007, ela passa todos os anos um período de 10 a 30 dias na França. "É muito difícil e assustador, mas a doença não tem cura e esse tratamento é a única chance que tenho de fazê-la estabilizar. Nos primeiros anos, eu ia para França, passava um mês:  48 horas em coma induzido para fazer a aplicação do medicamento, que eu desconheço qual é. Depois desse período eu ficava muito fraca, mas me recuperei e hoje estou com a doença estabilizada há cinco anos", explicou a atleta, em tom de conquista.

A rotina é fechada pelos treinamentos de natação, em Minas Gerais. O esporte é o que começou por recomendação médica e no qual se destacou a ponto de ser convocada pela seleção brasileira paraolímpica de natação. No Brasil, ela é atendida pelo médico do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Roberto Vital. "A Verônica teve problemas nas articulações. Ela já operou o ombro e não deu resultado. O ombro sai do lugar e tem que colocar novamente, até com o uso de anestesia", explicou.

Verônica é a única dos 20 candidatos ao experimento que ainda continua com o tratamento, com duração total de 10 anos. Perguntada por qual motivo os outros desistiram, a baiana não entra em detalhes, mas lembra que o custo é alto e o período na França é muito doloroso. Ainda existe risco de morte, mas, segundo a baiana, em proporção menor depois de superar oito anos de testes, sendo os últimos cinco com a doença estabilizada.

São necessários R$ 30 mil por ano para continuar o tratamento, que faz o nível de colágeno de Verônica subir, mantendo ela viva. Verônica paga o experimento ano a ano com a ajuda de amigos e com o dinheiro de palestras motivacionais que dá contando sobre sua vida.

O período na França aumenta as chances da atleta de conseguir medalhas na seleção brasileira paraolímpica de natação. Na próxima semana, ela embarca para mais um período de tratamento. O foco é continuar com êxito no experimento para conseguir subir ao pódio em 2016.

Em 2008, a baiana foi bronze na Paraolimpíada de Pequim, também foi bronze no Mundial da modalidade de 2010, mas não conseguiu subir ao pódio em Londres-2012, ano que não conseguiu custear o tratamento. "Quando eu vou para França eu fico 20 dias muito fraca fisicamente. Mas quando não recebo o medicamento, eu me sinto muito mais fraca e por isso nadei para sexto em 2012", relembrou.

"Minha vida é toda focada para 2016. Eu optei por fazer a travessia no mar agora em janeiro justamente porque estou de férias e não iria interferir nos meus treinamentos. Estou desde Londres treinando", finalizou.

Fonte: UOL

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