Uma onda me pegou

Como outras coisas que resolvi fazer (ou refazer) na vida depois da tetraplegia, surfar é uma das que mais gosto. Estar em contato com a água é um experiência quase espiritual.

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Como outras coisas que resolvi fazer (ou refazer) na vida depois da tetraplegia, surfar é uma das que mais gosto. Estar em contato com a água é um experiência quase espiritual. Nunca fui surfista, mas sempre fui apaixonada por nadar em ondas. Desde muito criança, eu esquiava e sempre gostei de nadar. Às vezes, assisto filmes com massacre de tubarões – roteiro que nada me interessa – só para ver o mar na tela.

Dia desses, durante as férias, fui até o Guarujá encontrar meu amigo Taiu, que desde 2010 vem surfando numa prancha adaptada. O Taiu era surfista profissional antes de ficar tetraplégico. Ele ficou 20 anos sem pegar ondas, mas agora não sai mais do mar. E eu entendo o meu amigo.

Na minha última viagem à praia, tive uma experiência muito louca com o mar. Sempre quando surfo, vou acompanhada por duas pessoas, o Cebola, que vai em cima da prancha remando, e uma outra pessoa que vai segurando a parte de trás da prancha, para dar estabilidade. Dessa vez, nosso esquema falhou. Em uma onda enorme, fui jogada para fora da prancha a metros de distância do Cebola e fiquei rodando na onda.

Ser levada por uma onda quando se é tetra é uma experiência doida. Mesmo com um colete salva-vidas você fica do jeito que cai, não vira o corpo para cima porque não tem movimentos. Eu, por exemplo, fui deixada pela onda com a cara na água e assim fiquei. Na minha cabeça só passava o momento em que o Cebola chegaria para me resgatar. Eu não tentava bater pernas ou braços porque poderia ficar cansada, nervosa ou frustrada. Pratiquei respiração até a hora que o Cebola me achou. Ao sair do mar, ouvia de fundo “…a Mara tomou um caldo…”

Naquele momento, tive a sensação de ter pego a melhor onda do dia. Minutos depois voltamos atrás de mais. Era como se um ímã me puxasse para o mar, como se as ondas, quanto maiores fossem, mais caminhos me abrissem àquela experiência.

Somos uma equipe e a tomada de decisões, entre pegar ou não uma determinada onda, exige rapidez, perspicácia, interação com o mar, além de muita humildade para receber a benção dele. Depois de vários caldos, nunca me senti tão abençoada.

Sempre fui uma apaixonada por água e poder reviver essa relação depois que quebrei o pescoço abre um caminho de possibilidades na mente que se erradia ao corpo, nutrindo minhas convicções de que um dia voltarei a andar.

Ao final do dia, fomos embora energizadas. Era a primeira vez que minha cuidadora conhecia o mar. Mesmo sem surfar, agora ela compactua comigo da dimensão e grandeza de muita coisa.

Foto em uma praia em um dia ensolarado. Mara Gabrilli está em uma prancha de surf adaptada para ela. Na mesma prancha está um homem que oferece apoio e segura um remo.
Mara Gabrilli surfando em uma prancha adaptada. Foto: Diana Bueno.

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