Erika Longone Borzani Gonçalves nasceu em cinco de dezembro de 1971 no bairro da Mooca, local típico de imigrantes italianos da capital paulista. Além de colunista do Vida Mais Livre, ela é especializada em fonoaudiologia, dá aulas de graduação, é co-fundadora da Sais (Consultoria em Sustentabilidade, Acessibilidade e Inclusão Social) e ainda tem tempo para ser membro colaborador da Agência Ambiental da Universidade Metodista de São Paulo. Confira a nossa conversa com Erika e saiba por que ela escolheu ser fonoaudióloga, como foi seu primeiro contato com pessoas com deficiência e a superação dos obstáculos que encontrou ao longo de sua trajetória.
VML: Como foi sua infância e adolescência?
Erika Longone: Sou de família de classe média, nasci, cresci e sempre vivi na Mooca, bairro paulistano de imigrantes italianos onde todos se conhecem e são sócios do clube Juventus.
Cresci brincando na rua com meu irmão mais velho, Marcelo, e foi justamente lá que tive o primeiro contato com uma pessoa com deficiência. Ele era surdo, usava prótese auditiva e conversava com a gente por gestos naturais, inicialmente. Depois, começou a fazer terapia fonoaudiológica e desenvolveu a habilidade da fala. Posso dizer que este colega foi uma das razões de eu ter escolhido a fonoaudiologia como profissão.
VML: Como foi o processo de relacionamento com pessoas com deficiência?
Erika Logone: Como dito, tudo começou quando eu ainda era criança. Mas, como toda criança que se preze, eu também tinha minha porção má. Algumas vezes, quando estávamos brincando em algum local fechado, apagávamos a luz para nosso colega surdo não conseguir ler os lábios e não enxergar os gestos que fazíamos, mas éramos apenas crianças. Sempre brincávamos juntos e nos ajudávamos mutuamente. Ele cresceu, tirou a carta de habilitação, casou-se, teve filhos e, hoje, sustenta sua família.
Quando entrei na Universidade Federal de São Paulo esse contato ficou mais estreito, pois a faculdade possuía um hospital de referência. Lá, víamos casos de todos os tipos e, dessa forma, fui apresentada a uma vasta gama de deficiências. Naquela época, as pessoas com deficiência mal saíam de suas casas e, quando me dei conta dessa situação, algo mudou dentro de mim. Senti que precisava mudar o panorama das coisas.
Foi durante meu mestrado, na mesma universidade, que conheci um dentista especialista em pessoas com deficiência. Ele desenvolveu uma espécie de maca de contenção para pessoas com paralisia cerebral – um trabalho incrível que qualquer dia posso contar melhor a vocês.
O fato é que esse dentista me apresentou uma paciente dele que estava na casa de seus 27 anos, tinha paralisia cerebral e era muito, mas muito comprometida fisicamente. Os profissionais que davam assistência à paciente diziam que ela não entendia o que lhe era dito, porém, sua mãe nunca acreditou nisso e dizia que via em seus olhos que podia compreendê-la. Dedicada, ensinou sua filha a falar em outras línguas, apresentou-lhe o código gráfico e sempre insistiu que ela absorvia o conteúdo, mesmo que o mundo a considerasse louca por acreditar naquilo. De tanto buscar meios para se comunicar com a filha, a mãe foi para Holanda. Nessa época, no início dos anos 90, estavam desenvolvendo as primeiras telas touch (telas sensíveis ao toque). Lá, mãe e filha fizeram um teste: adaptaram uma régua com um apontador na cabeça da paciente para que ela pudesse tocar na tela e a primeira coisa que escreveu foi: “Mãe, demorei 25 anos para dizer que te amo”. Pois é, a menina de fato entendia tudo que a mãe dizia e aprendeu tudo que lhe foi ensinado.
A partir desse momento começaram vários questionamentos em mim. Quem somos nós para determinarmos o quanto o outro é capaz?
VML: Hoje, trabalha em que área? Está relacionada com pessoas com deficiência?
Erika Longone: Hoje em dia tenho um estreito relacionamento com pessoas com deficiência. Trabalho, sobretudo, com pessoas com deficiência auditiva, auxiliando no processo fonoaudiológico. Além disso, realizo um trabalho de assessoria para inclusão de pessoas com deficiência em escolas, no trabalho, nas áreas de lazer, no esporte e na mobilidade urbana.
VML: Você tem alguma curiosidade ou acontecimento para compartilhar com nossos leitores?
Erika Longone: Acho que o relato acima foi o que mais mexeu comigo. Ah! Espiem nas minhas colunas a história de uma paciente com Síndrome de Down cuja mãe não quis que a filha trabalhasse, pois ficaria muito exposta. Vale a pena!
Confira os textos da coluna de Erika aqui.