Fernanda Amaral Zago

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Fernanda Amaral Zago

Eu era era uma adolescente como outra qualquer, com seus sonhos, medos, amigos, festas e com muita vontade de viver. Sempre fui independente e acho que, por isso, comecei a trabalhar, aos 15 anos, na loja da minha tia, para ter meu próprio dinheirinho e comprar o que quisesse.

Mas, no dia 21/02/2000, minha vida mudou drasticamente. Caí da escada da loja onde trabalhava e, a partir de então, não levantei mais sozinha. Logo me levaram para o hospital e lá me falaram que eu havia sofrido uma grave lesão na coluna. Lembro-me das enfermeiras cortando meu uniforme de trabalho, que estava estreando naquele dia, e tirando todos os acessórios que estava usando naquele momento.

Lembro-me do meu pai e minha mãe chegando do meu lado, ainda na sala de radiografia, com aquele olhar triste e quase desabando, sem saber direito o que iria acontecer dali em diante. Devido à gravidade, me colocaram dentro de uma ambulância com minha mãe, o médico e uma enfermeira para irmos para Brasília. Meu pai e meu namorado (na época) foram de carro nos acompanhando.

Foi uma das viagens mais tristes da minha vida. Acho que graças a minha mãe e a Deus estarem ao meu lado naquela hora eu não me revoltei ou entrei em pânico. Chegando a Brasília, fiquei em uma maca no corredor do hospital esperando os médicos avaliarem meu caso e fazerem mais exames. Nesse dia, me lembro de ter vomitado muito, da movimentação dos meus familiares e do meu desespero para não rasparem meu cabelo, porque se os médicos resolvessem fazer tração na coluna isso seria necessário.

Para a minha felicidade, não foi preciso. Fiz a cirurgia no dia seguinte, na qual me lembro dos médicos conversando sobre meu corte na cabeça, que, segundo eles, havia um pedaço bem fundo que não teria como dar pontos. Acordei no dia seguinte em uma sala de UTI, com muita sede e fome, com uma placa de titânio no pescoço, um colar cervical, tubos no meu nariz e graças a Deus com minha mãe ao meu lado. Foram cinco dias nessa sala, da qual só me lembro do teto, do relógio pregado na parede, de vários pacientes em estado grave e de uma enfermeira muito boazinha que me tratava com muito carinho, e claro, da minha mãe que dormiu comigo todos os dias.

Por ironia do destino, havia lido o livro Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva, cinco meses antes e tudo que ele havia passado estava se repetindo comigo. O que mais vi naqueles meses foi o teto de hospitais, decorei cada rachadura que havia. Depois, me transferiram para um quarto individual. Foram cinco dias aprendendo o que havia acontecido comigo, que a cirurgia foi um sucesso e que segundo o médico estaria andando em seis meses. Na hora, ainda pensei, “nossa isso tudo!”.

Recebi várias visitas, telefonemas de várias pessoas, pessoas que eu nem conhecia, mas que eram amigas da família. Tive as primeiras sessões de fisioterapia, vários testes de sensibilidade, os quais eu odiava, pois ficavam espetando uma agulha em mim para dizer se eu sentia. Acho que odiava porque não sentia em quase nenhum lugar. Viravam-me na cama de duas em duas horas para que não desse escara (ferida que desenvolve quando a pele é comprimida entre a proeminência óssea e a superfície externa, (cama, colchão) por um longo período de tempo e que depois de aberta, demora vários meses para se fechar).

Tive muitos pesadelos, quase não dormi porque tive uma coceira infernal durante esses dias, e para piorar eu não conseguia levantar o braço, aí tinha que recorrer a quem estivesse do meu lado. Nesses dias, tentamos conseguir uma vaga no Hospital Sarah Kubitschek, e depois de muitos pedidos, consegui uma vaga em 15 de março. Passados esses cinco dias, o meu médico me enviou para o Hospital de Apoio para continuar minha reabilitação. Foi muito triste porque saímos no finalzinho do dia em uma ambulância, eu e minha mãe, com alguns parentes de carro nos acompanhando. Chegamos à noite nesse lugar que, a princípio, não tinha vaga. Eu e minha mãe choramos muito. Como viram que não tínhamos para onde ir àquela hora, arrumaram um quartinho que tinha apenas uma mulher chamada Joana, muito religiosa, mas que infelizmente não me lembro do rosto, pois fiquei a maioria dos dias deitada com um colar cervical que limitavam os poucos movimentos que me restaram.

Nesse hospital, recebi também várias visitas e telefonemas. Meu namorado (na época) foi para BSB me acompanhar e me dava muita força. Foram alguns dias levantando a cabeceira da cama aos poucos para me acostumar de novo, porque dava falta de ar e tonteira, até eles me colocarem pela primeira vez em uma cadeira de rodas. Nessa hora, todos seguraram o choro para não me deixar triste. Minha mãe aprendeu a fazer cateterismo (retirar a urina com um sonda de seis em 6 horas) e a me dar banho deitada em uma maca fria, que graças a Deus nessa hora, sentia só do ombro para cima. Minha avó Maria saiu do sul de Minas para nos ajudar em Brasília. Ela conseguia cada coisa. Entrava com comida, dormia no nosso quarto e nos confortava com aquele jeito carinhoso só dela.

Foram quinze até ser transferida para o tão esperado Sarah. Mais uma viagenzinha de ambulância deitada olhando para o teto. Cheguei e logo fui atendida. A primeira coisa que a médica falou foi que eu tinha muito a comemorar, pensei “será o que tenho a comemorar nesta situação?” Falou que por muito pouco a lesão não atingiu o meu sistema respiratório e que se isso tivesse ocorrido teria que andar acompanhada com um aparelhinho ligado por um tubo até o pescoço vinte e quatro horas por dia. Nessa hora todos ficaram emocionados, até os médicos.

Fiz mais e mais exames até que me mandaram para a ala das crianças. Foi um mês nessa ala, fazendo fisioterapia, hidroterapia (na qual morria de medo de afogar porque agora dependia de alguém para me segurar), aprendendo um novo modo de entrar no carro (carregada por alguém), ganhando diversos adaptadores (para segurar o garfo, pentear o cabelo, escrever, escovar os dentes, digitar no computador, conhecendo pessoas com diversos problemas, recebendo visitas todos os dias e minha mãe dormindo comigo. Depois me passaram para ala de adultos, na qual apavorei porque minha mãe não poderia mais dormir comigo. Isso foi um pesadelo, quem iria me ajudar? Só servia ela. Mas eu tive que conformar. Não sei quem sofria mais, se eu ou ela por me deixar lá.

Mas passados dois longos dias, eu fiquei doente e falei que ela tinha que ficar comigo e para nossa alegria eles deixaram. Mais um mês se passou e agora já podia ir para casa no final de semana. Alugamos um apartamento em Brasília para não precisar viajar a Unaí nos finais de semana e voltar segunda. A primeira coisa que senti falta quando saí do hospital e fui para o apartamento foi acordar e levantar da cama na mesma hora, agora demorava pelo menos uns vinte minutos até minha mãe fazer cateterismo e colocar a minha roupa. Normalmente, eles falam que quando a gente tem um problema os amigos se afastam. E comigo foi diferente até pessoas que achava que não eram minhas amigas passaram a ser a partir daquele momento e as que já eram mostraram seu amor por mim.

Fiquei sabendo que a cidade inteira rezou para a minha recuperação. Acho que por isso, meus familiares e Deus, eu tirei de letra essa fase. Pedia todo dia a Deus que quando eu tivesse alta do Sarah que ele segurasse na minha mão para de pé e caminhando saíssemos de lá. Infelizmente não foi o que ocorreu, saí em uma cadeira de rodas nova que meu pai foi comprar e que seria minha companheira de todas as horas a partir daquele momento.

Voltei para Unaí depois de três meses longe de casa e com uma nova realidade de vida. Desde então fui aprendendo cada dia mais com meu problema, tirando os adaptadores, fazendo fisioterapia e hidroterapia, voltando a estudar. Terminei o 2º grau e logo entrei na faculdade. O curso escolhido sem nenhuma dificuldade foi sistema de informação. Nunca achei que seria difícil fazer algo, se tivesse vontade e alguém para me levar e cuidar de mim, ia mesmo. Tive alguns namorados que me ajudaram muito e me tratavam como uma pessoa sem deficiência. No momento, estou estudando e esperando ser chamada para o concurso que passei em Brasília, que é um grande sonho.

Possuo um blog voltada para às pessoas com deficiência (www.fezago.blogspot.com), sou secretaria da APDU – Associação de Pessoas com Deficiência de Unaí e conselheira do COMPED – Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência. Está sendo uma lição de vida. Fiz novos amigos, pessoas que assim como eu possuem uma deficiência, mas que não desistiram de viver e lutar por seus direitos. Aprendi mais uma vez a ver a vida de outros ângulos. Espero ajudá-los, pois sou muito feliz por fazer parte desta família. Tenho só a agradecer primeiramente a Deus por tudo que ele me proporcionou depois que fiquei tetraplégica. Claro que perdi várias coisas que amo, como: dançar, andar, paraticar esportes, tomar banho sozinha, sair sem precisar de ninguém, trocar de roupa em pé em frente ao espelho, olhar meu corpo por inteiro, me maquiar, dirigir, etc. Mas ele me deixou o mais importante: minha vontade de viver e minha família, que sem ela não teria superado tudo isso.

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