Simone Fiorito

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Alianças

Namoro pela internet: e eu descobri que amar uma pessoa com deficiência visual é compreender a vida sob outra perspectiva. Meu nome é Simone Fiorito, sou professora, moro em Indaiatuba (SP) e sou mãe de um filho de quatorze anos. Não tenho nenhuma deficiência, apesar de ter muitas “necessidades especiais”. A história que divido trata-se de como conheci e passei a me relacionar com Geofilho Ferreira Moraes, psicólogo, pessoa com deficiência visual, e de como esse relacionamento me fez entender a deficiência visual e compreender melhor a relação entre as pessoas.

No final de 2010 eu já havia desistido de encontrar um amor, já fazia 10 anos que eu estava sozinha, solitária mesmo, nem um casinho… Nada! Eu já tinha me conformado em ser mãe, profissional, filha, irmã, amiga… Para mim não havia a tão falada “tampa da panela”, eu me sentia uma “frigideira”. Em dezembro, num dia em que eu estava muito triste, fiz uma oração a Deus e pela primeira vez eu disse a ele com todas as letras que precisava de alguém, eu não aguentava mais ficar só. No mesmo mês, encontrei coragem e vontade para conhecer alguém, passei a frequentar a internet e no dia 16/12/2010, eu e meu namorado Geofilho Ferreira Moraes entramos, quase que ao mesmo tempo no bate papo de um site de relacionamentos. Eu li o perfil dele e achei que ele deveria ser interessante. Uma das primeiras perguntas que ele me fez foi se eu namoraria um homem cego.

Pela leitura do perfil, eu já sabia que ele era deficiente visual e acho que isso me atraiu ainda mais, pois pelo modo como ele se descrevia lá, me pareceu um homem admirável. E eu respondi: – Sim! Com as nossas conversas, fui descobrindo sua história e como era seu cotidiano sendo uma pessoa com deficiência visual, entre outras informações que trocamos no intuito de sabermos mais um do outro. Nosso relacionamento começou sério, cheio de sinceridade. No começo, quando ainda não tínhamos intimidade e só nos falávamos pela internet eu “pisava em ovos” quando queria perguntar-lhe algo sobre sua deficiência. Tinha enraizado no meu pensamento coisas que aprendi “de ouvir falar” e outras que acreditava serem verdades devido ao senso comum. Tinha receio de fazer perguntas sobre o cotidiano dele, como ele fazia certas coisas que eu acreditava que provavelmente seriam mais inacessíveis para ele (como o uso do computador, celular, cozinhar, limpar a casa, etc.); evitava o verbo “ver”, achava que seria indelicado ou algo parecido utilizá-lo com uma pessoa que não pode ver, achava que ele poderia se ofender com alguma pergunta minha.

Na ânsia de mostrar que eu não tinha preconceitos, me descobri cheia de conceitos pré-formados que não me deixavam totalmente à vontade para me relacionar com ele, me descobri como eu realmente era e não via. Eu convivia com pessoas surdas e deficientes auditivos, pois fazia um curso de Libras. Sempre fui ligada às questões relacionadas às deficiências. E isso já vinha contribuindo para a ampliação dos meus conhecimentos sobre o assunto, mas descobri no relacionamento com Geofilho que todos temos preconceitos e que eles não são necessariamente, negativos. Adquirimos uma forma de entender e interpretar as situações e pessoas, todavia temos que buscar informações para compreender as pessoas como elas realmente são, sem estereótipos, pois quando o assunto é deficiência “a pessoa” vem antes dela. Quando li o perfil de Geofilho no site de relacionamentos eu me interessei imediatamente por ele, por isso o fato de ele ser cego ou não, realmente não fazia diferença, depois que passamos a conversar todos os dias via MSN, isso se confirmou: Eu nunca o discriminaria por ele ser cego.

Conforme a nossa relação foi tornando-se mais íntima, mesmo que ainda só nos meios digitais, eu fui percebendo o quanto aprenderia com ele e o quanto estava equivocada no meu modo de pensar e entender a deficiência. Hoje, eu posso afirmar que sabia muito pouco sobre a cegueira e que as conversas que tínhamos me esclareceram muito. Aprendi, por exemplo, que ele não se incomodava com o verbo “ver”, pois ele vê, mas de uma maneira diferente; que eu poderia perguntar-lhe abertamente o que tivesse dúvidas, pois ele seria a melhor pessoa para me responder, por exemplo, sobre o seu dia-a-dia e sobre como eu poderia ajudá-lo quando estivesse em sua companhia, além disso, descobri que a pessoa cega não ouve melhor que as outras por ser cega, mas que tem a percepção ampliada devido a fatores psicológicos, emocionais e sociais.

Geofilho me contou sua história, ele não nasceu cego, ficou cego devido ao glaucoma congênito e a um acidente na adolescência. Sua bela trajetória de vida já foi publicada aqui no Vida Mais Livre. Com a intimidade que íamos ganhando a cada conversa no computador e depois por telefone, ele foi esclarecendo muitas coisas e eu também busquei ampliar meus conhecimentos sobre cegueira por meio de pesquisas. Eu queria que quando tivéssemos nosso primeiro encontro ficássemos à vontade um com o outro. Eu queria saber como ajudá-lo, como guiá-lo na rua quando estivéssemos juntos. Eu ficava ansiosa, pensava que seria difícil, que eu não saberia direito como auxiliá-lo. Ele respondia a todas as minhas dúvidas e eu ficava mais tranqüila.

Antes de nos encontrarmos pessoalmente já nos falávamos todos os dias por telefone e a cada contato, a cada conversa, eu ficava mais ansiosa para conhecê-lo. Já tínhamos tanta intimidade que em janeiro já nos tratávamos nas mensagens do celular por “namorados”. Com a proximidade do primeiro encontro meu coração ficou cheio de emoções, a cabeça cheia de planos e ansiedades… Combinamos que nos encontraríamos em fevereiro, em Florianópolis (onde ele mora), mas eu não tinha dinheiro para a viagem. Quando consegui o dinheiro, liguei muito empolgada para contar-lhe, mas, para minha surpresa e tristeza profunda, ele me falou que ainda não tinha certeza de seus sentimentos por mim e que seria melhor adiarmos o nosso encontro. Fiquei sem chão! Mas acreditei no que ele me disse e percebi que se ele se sentia assim e estava disposto a dividir isto comigo é porque nós já éramos cúmplices. Eu fiquei muito triste, chorei o dia todo, nós já nos tratávamos por namorados e de repente tudo acabaria sem ao menos começar.

Eu disse a ele que gostaria de tentar ser sua amiga, mas que durante um tempo eu não ligaria para ele, pois eu precisava esquecer toda a expectativa que tinha criado. Mas algo dentro de mim me dizia que nosso relacionamento não acabaria assim. Na mesma noite, depois de chorar muito e adormecer sem falar com ele (coisa que fazia todas as noites), ele me ligou de madrugada e disse que sentia minha falta e que queria ficar comigo. Naquele momento eu percebi que já o amava sem ao menos conhecê-lo pessoalmente. Encontramos-nos em Florianópolis no início de fevereiro. Fui de ônibus até lá e ele encontrou-se comigo na rodoviária. Quando o vi pela primeira vez fiquei muito emocionada e confirmei todos os sentimentos que já sentia por ele. Ele tocou meu rosto e me abraçou carinhosamente e eu percebi como ele me veria. Nos primeiros minutos que estivemos juntos eu percebi o quanto a minha ansiedade por ele ser deficiente visual foi desnecessária, pois ao sairmos da rodoviária eu já sabia como conduzi-lo quando andávamos juntos. Fomos de ônibus até a casa dele e eu achei muito interessante o fato de estarmos numa situação em que ele sendo cego e eu vidente era ele quem estava me guiando, pois ele conhecia todo o trajeto e eu nunca havia estado em Florianópolis.

Estamos namorando desde então. Ele vem à Indaiatuba a cada quinze ou vinte dias e planejamos viver juntos futuramente. Penso nele o tempo todo e nosso amor inspira as poesias que escrevo. Outro dia escrevi a poesia abaixo, gravei no celular e enviei como mensagem de voz para ele:

Um olhar verdadeiro

Teus olhos não veem o colorido dos meus cabelos

Nem o brilho dos meus quando digo que te amo

Teu olhar não me mostra o quanto me desejas quando fazemos amor

E nem a tristeza que sentes quando nos despedimos

Contudo, vês todas as cores dos meus sentimentos

Todos os cheiros dos meus desejos

Percebes cada respiração diferente em mim, cada gesto que faço, cada expressão, cada tom da minha voz

És capaz de interpretar e entender tudo o que sinto, mesmo que eu me cale, mesmo que eu só sinta também

Sabes quando sorrio, quando me entristeço, quando me aborreço, quando me fascino… quando me enlouqueço de amor, e quando preciso muito de ti.

Demonstra teu amor e teus desejos com tuas palavras e gestos,

Sentimentos tão expressivos que exalam de ti

Teu amor é transparente!

Sinto e interpreto cada expressão tua e nos encontramos no amor que sentimos

Quando nos tocamos nossos corpos se tornam a expressão do que vai em nosso sentimento e é por isso que nos entregamos de forma tão intensa e emocionante

Tu me vês de forma única, inexplicável

E eu me sinto completamente envolvida por tua forma de me ver e amar! Simone Fiorito 27/06/2011


Ter um relacionamento afetivo com uma pessoa com deficiência é ter um relacionamento como qualquer outro. Temos nossas diferenças e problemas, particularidades e semelhanças, interesses pessoais, planos para o futuro. Às vezes ele precisa mais de mim, outras eu preciso dele. Somos um casal como qualquer outro. Aprendemos juntos e cultivamos nosso relacionamento todos os dias, apesar da distância. Algumas pessoas ficam admiradas quando nos veem juntos, ficam olhando como se fôssemos um casal de namorados “de outro planeta”. Outras nos olham com admiração. No começo eu me incomodava com isso, agora eu brinco e digo que as pessoas estão admiradas pelo nosso amor, ou pelo fato de eu ser mais alta que ele. Nós nos amamos e estamos felizes!

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