Com apenas 0,73% dos empregos com carteira assinada no Brasil, as pessoas com deficiência física têm a Lei 8.213/1991 a seu favor, mas parece que ela vale muito pouco.
O não cumprimento da lei é uma regra geral, afirma Açucena Calixto Bonanato, presidente do Instituto Pró-Cidadania, o IPC, órgão sem fins lucrativos que capacita pessoas com deficiência para o mercado de trabalho e dá consultoria a empresas que querem contratar essa força de trabalho. O motivo: falta de fiscalização.
Procurado em 10 de dezembro, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) assumiu que as cotas estabelecidas pela lei de 1991 não são cumpridas em conversa pelo telefone, mas informou que não poderia responder a solicitação porque o funcionário que cuida do tema (e tem os dados sobre pessoas com deficiência) está em férias e não há outro especialista no assunto.
Segundo Açucena, somente 60% das empresas no Brasil contratam pessoas com deficiência. “Mas elas não cumprem a cota, tem um ou outro funcionário. Isso [cumprimento da cota] só ocorre em setores após fiscalização e multa. Então, as empresas se adequam, cumprem o que manda a lei para se regularizar e depois, pela rotatividade natural, passam a descumprir. É um ciclo de multa-contratação-rotatividade”, explica Açucena.
O artigo 93 da lei obriga empresas com 100 ou mais funcionários a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com pessoas reabilitadas, ou com deficiência, na seguinte proporção: até 200 funcionários (2%); de 201 a 500 funcionários (3%); de 501 a 1000 funcionários (4%); acima de 1001 funcionários (5%).
Valor menor é equívoco
Para ela, o problema é uma questão de educação, de encarar a pessoa com deficiência com todas as suas capacidades. “Muitas vezes será preciso adaptações do ambiente de trabalho, o que também é lei. Mas o que leva a essa situação, que reflete o descaso com esse grupo da população, é o fato de pensarem que essas pessoas têm um valor menor. Isso é um grande equívoco. A pessoa com deficiência é capaz de trabalhar em todos os setores.”
Marcio Bindandi, de 42 anos, teve poliomielite na infância e confirma o que diz Açucena. "Quando vejo anúncio de vaga para deficientes, são sempre 'vaguinhas'. Nunca vejo uma vaga boa de fato, que me interesse. Somos subestimados, nos oferecem cargos de baixo escalão, sempre de auxiliar", desabafa o contador que trabalha em uma empresa da construção civil.
Segundo Bindandi, que utiliza muletas para se locomover e tem um carro adaptado, a doença deixou sequelas na perna direita (na qual usa uma prótese), na perna esquerda (menos afetada) e no braço esquerdo. Ele trabalha desde os 16 anos. "Sempre me esforecei muito para trabalhar normalmente, mesmo com meu pai me incentivando a ir para o lado acadêmico. Mas eu sempre quis me integrar ao mercado de trabalho e consegui. Tem de ter muita força de vontade, mas dá para fazer de tudo."
O contador diz que trabalhou durante dois anos em uma grande rede de supermercados que não dava condições nem dignidade a ele. "Não tinha banheiro no andar onde trabalhava e para ir almoçar no refeitório eu tinha de subir três lances de escadas. A empresa me desrespeitou tanto que hoje não passo nem na porta dos supermercados deles."
Na análise de Açucena, esse grupo da população brasileira pode ser considerado o quarto setor da economia brasileira. “Somos os excluídos dentro dos excluídos [terceiro setor]. As causas apoiam projetos de inclusão de crianças com deficiência, nunca do jovem que precisa entrar no mercado de trabalho. Você não vê campanhas para esse público, só para o infantil. As empresas e pessoas não têm planejamento, esquecem que a criança que ajudam hoje, com projetos sociais, vai virar um adulto e precisar se manter, ganhar a vida. É preciso pensar a inclusão muito além da fase infantil.”
Para ela, já houve muito avanço desde 1991, data da lei de cotas. "Temos a melhor lei do mundo, segundo a análise da ONU, mas as empresas têm de acreditar no potencial e mudar o pensamentos. Não faltam pessoas qualificadas, falta consciência. Precisamos de campanhas de informação com qualidade”, alerta Açucena que preside o instituto que funciona desde 1989 e tem o maior cadastro de trabalhadores com deficiência do Brasil.
O IPC é procurado frequentemente pelo MTE em busca de seus cadastros de pessoas com deficiência. O instituto tem 130 mil trabalhadores cadastrados, mais de 35 mil pessoas colocadas atualmente, 240 mil multiplicadores da inclusão de pessoas com deficiência no Brasil, um grupo com mais de 300 voluntários e parcerias escolas de todo o País.
Fonte: IG