Todos os finais de ano Renato Petkevicius se reunia com sua turma de capoeira para uma festa de confraternização. Esses jovens costumavam se reunir em chácaras e passavam alguns dias juntos se divertindo. Em uma dessas viagens, mais especificamente em dezembro de 1998, Renato se recorda que não perdia oportunidades de brincar com todos que estavam dormindo. O sono de seus amigos era interrompido por garrafadas de água, leves cutucões com garfo de churrasco (ou o que estivesse próximo de Renato). Ele garante que ninguém saía machucado, no máximo, bravo. E quem nunca brincou desse jeito?
Renato Petkevicius: Os vários saltos
Filho da nossa colunista Marisa Matos, conta como foi o acidente que o tornou tetraplégico, suas lembranças dos dias em que permaneceu no hospital e relata como é seu cotidiano.
À piscina da chácara, a turma se reunia. Renato resolveu buscar na casa um aparelho de som para animar a todos. Na volta, ele avistou uma casinha que ficava de frente para piscina. “Parecia que a laje estava me chamando para pular de lá para a piscina. A distância era pequena”, lembra. Apenas uma grade de mais ou menos meio metro tentava impedir que as pessoas pulassem de lá.
Renato deu o primeiro salto e logo foi seguido por seus amigos. Muitos caíam de barriga, de lado e outros quase encostavam na beira da piscina. A sequência de pulos foi interrompida pelo mestre de capoeira dos jovens, que pediu que parassem. Renato daria seu último salto.
“Eu queria dar um salto mortal e cair na piscina. Tomei distância, mas desisti do mortal. Daí pra frente eu não me lembro de quase nada. Só fui voltar a ter consciência quando bati a cabeça no fundo da piscina. Tentei mexer meu corpo e nada, uma sensação terrível. Fiquei embaixo da água esperando alguém cair na piscina para me pegar e quando meus amigos viram sangue, saltaram para me buscar. O barulho de pessoas caindo na piscina foi animador. Me pegaram e me levaram para a borda. Me carregaram até o carro e foi nesse momento que começou a passar o filme da minha vida. Uma coisa muito bacana”, relembra Renato o dia (18) do seu acidente que o deixou tetraplégico.
O jovem foi levado para dois pronto-socorros e nenhum deles tinha colar cervical e acabou tendo que viajar de ambulância para São José dos Campos (SP). “Até que meus pais chegassem, fui tratado como um número. Tive a impressão que primeiro é preciso mostrar capacidade para arcar com as despesas. Mesmo assim, só fizeram os primeiros exames básicos e uma cirurgia no cotovelo, pois havia fratura exposta no cotovelo esquerdo.” No dia seguinte ao acidente, ele foi transferido para o hospital Albert Einstein, em São Paulo, e lá foi feita a cirurgia da coluna cervical.
Na UTI do hospital, Renato se lembra que muitos amigos e familiares foram visitá-lo. Se lembra também de ter pedido para ninguém chorar perto dele. “Era difícil segurar meu choro. Cada um que entrava no quarto me trazia recordações do que fazíamos juntos. As baladas, as viagens, os esportes que fazíamos juntos, enfim, todos os acontecimentos cotidianos. Quando dava a hora do fim da visita me davam remédio para dormir”.
A sua internação também lhe traz outras recordações: alguns dias após ter voltado da cirurgia, acontecia a final do campeonato Paulista de Futebol. “Era Corinthians e alguém. E, como um bom corinthiano, pedi para aumentar o som. Comecei a passar mal e não conseguia gritar para chamar alguém. Ainda bem que os aparelhos começaram a apitar. Parece triste, mas hoje é divertido lembrar.” Tentar ficar sentado era motivo de desmaios. Mas também era motivo de muita alegria, principalmente quando conseguiu ficar sentado em uma cadeira.
Renato voltou para casa depois de um mês de internação. Mais um mês depois e o jovem foi para a reabilitação no Sarah Kubitschek. Lá fez nova cirurgia, passou 120 dias e conquistou o movimento de ombro e bíceps. “Não me lembro exatamente o que senti, mas me recordo quando comecei a comer. É muito bom poder colocar o que queria e quando queria na boca. E quando usei o computador pela primeira vez? Parecia uma criança ou uma pessoa que nunca havia mexido em um computador. Nunca imaginava que poderia escovar sozinho meus dentes. Foi muito engraçado quando consegui nas primeiras vezes. Sobrou pasta de dente para todo lado. Isso é uma independência show. Só de não ter que ficar pedindo, ‘me leva lá’, ‘me leva aqui’ é muito bom. É uma sensação inexplicável.”
O tempo passou, a vida seguiu e ficou monótona. Era acordar, tomar banho, fazer fisioterapia e dormir. Ele começou a “ficar mal da cabeça”, ter pensamentos ruins, culpar o acidente. “Era preciso fazer algo, urgente!”, conta. A solução surgiu depois de uma conversa com seu padrasto. Decidiram filmar um documentário sobre cadeirantes e daí surgiu o gosto pelos vídeos. Foi um clique para estudar a graduação em Rádio e TV.
Hoje, Renato acorda às 6h para fazer sondagem de alívio e dorme novamente até às 7h. Em seu computador, trabalha ou estuda um pouco. Faz alongamentos e exercícios e, por volta das 11h30 começa os preparativos para ir ao trabalho: trocar de roupa, sondagem, almoçar e trabalhar.
Normalmente, entra na TV da Igreja Universal entre 13h30 e 14h, onde é videografista. Para o carro no estacionamento, seu acompanhante o coloca na cadeira motorizada e o leva até a sua sala para por os adaptadores e ajudar a bater o ponto. “Quando estou com sede, peço água para meus colegas. Por volta das 20h, começo a agilizar para ir embora. Em casa, fico um pouco em pé com a ajuda de um aparelho, janto e durmo por volta da meia-noite.” Trabalhando há dois anos, pensa em atuar no mercado de animação ou trabalhar em uma grande emissora para poder crescer e aprender mais.
Fora da vida profissional, vida comum: bares com amigos, cinema com sua namorada, restaurantes. “Viajo para praia e fico na casa de amigos e muitas coisas mais. Somos pessoas comuns. A única coisa é que, por enquanto, em algumas situações, precisamos de ajuda. Ah, é preciso pensar para onde vou, pois há lugares que nem com ajuda é possível ir”, lamenta. “Hoje, minha preocupação é com o meu crescimento profissional. Quem sabe daqui um ano, começo a pensar em ter família e ser auto-sustentável. O que posso afirmar hoje é isso, pois vivo um dia de cada vez da melhor maneira possível”, finaliza.
Observação: Renato fez questão de pedir que publicássemos um vídeo do seu salto de paraquedas, realizado em março de 2004, em Boituva (SP).