O início da quarentena foi um “banho de água fria” para muita gente, em especial para a estudante de letras Clara Marinho, 21 anos. Ela estava ansiosa pelo retorno das aulas na Universidade de Brasília (UnB), após as férias de fim de ano, quando a pandemia interrompeu seus planos. Para fugir do tédio, rendeu-se, assim como tantos jovens, ao TikTok. Foi a partir desse gesto despretensioso que sua vida mudou completamente, “de um dia para o outro”.
Como tem paralisia cerebral desde o nascimento, deficiência que limita parte dos seus movimentos, incluindo a fala, Clara começou a usar a rede social para dublar vídeos divertidos. A ideia era se distrair “diante de tantas notícias ruins”, relembra. A forma diferente com que se expressa, por causa da deficiência, chamou atenção dos usuários, a maioria crianças e adolescentes.
Apesar de ser uma condição comum — de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a paralisia cerebral afeta dois de cada mil bebês; e 15 de cada 100 bebês prematuros —, Clara constatou que havia muito desconhecimento sobre o assunto. “Por isso, não tenho raiva. Tem muita gente que sequer ouviu falar a respeito”, destaca.
Em resposta aos comentários preconceituosos, ela gravou uma série de vídeos, explicando como se dá a malformação cerebral, seus diferentes sintomas e sobre como encara a deficiência. “Sempre vi a PC como uma de minhas melhores características. Nunca a tive como uma patologia ou algo maléfico e que precisasse ser vencido”, salienta.
O conteúdo teve boa repercussão e, no dia seguinte, a brasiliense se deparou com dezenas de mensagens no WhatsApp e milhares de novos seguidores nas redes sociais. Hoje, são mais de 430 mil no TikTok e 60 mil no Instagram. Alguns de seus vídeos têm mais de 1 milhão de visualizações.
“Meus amigos me mandaram mensagem contando que o Celso Portiolli tinha compartilhado o vídeo, assim como outros famosos, alguns eu nem conhecia. Foi inesperado. Ainda estou em choque”, recorda.
Escritora em formação e influenciadora
Antes da reviravolta que o TikTok provocou em sua vida, Clara usava as redes sociais para compartilhar algumas poesias, que sonha em transformar em livro. Os planos seguem e alguns conteúdos continuam. Agora, ela segmentou a atuação nas redes.
No app em que virou famosa e ícone da autoaceitação, ela compartilha vídeos mais dinâmicos, voltados para o público jovem. O Instagram, além de um espaço para divulgar seu trabalho, transformou-se em um canal de mensagens positivas, lives e informações a quem está disposto a saber mais sobre a paralisia cerebral.
Ela ainda se considera uma “escritora em formação”, mas pretende se lançar às oportunidades e usar o espaço que conquistou para promover visibilidade e respeito para as pessoas com deficiência (PCDs).
“Eu sempre precisei de ajudas em minha vida e eu sempre pedi aos céus que algum dia eu pudesse retribuir tais ajudas de alguma forma. E minhas preces foram ouvidas. É um prazer enorme poder compartilhar o pouquinho que vivi e ajudar as pessoas de alguma forma”, afirma.
Ao instalar o TikTok no celular, em março, Clara buscava apenas uma forma de se distrair em meio ao distanciamento social. Hoje, sequer tem tempo para descansar e vive a mil com as responsabilidades impostas pela exposição. O sacrifício, de acordo com ela, tem valido a pena.
“Todos os dias, recebo dezenas de mensagens de pessoas que se inspiraram em mim, de alguma forma. Sempre tem pelo menos uma de uma pessoa com paralisia cerebral, elogiando a minha coragem, perguntando como consigo ser tão positiva e alto astral”, relata.
Fonte: Metrópoles.com