Vocês passarão…

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Algumas coisas mudam em alguém que passa por situações da vida para as quais não há receitas. Você sabe, por exemplo, o que pode acontecer se vai viajar para longe pela primeira vez. Virá em sua mente tudo o que ouviu, leu ou assistiu sobre aquele lugar, sobre viagens, sobre turismo e assim vai se preparando para que sua própria experiência seja vivenciada no seu jeito particular.

Assim é também quando você vai para uma entrevista de emprego, se vai se casar, vai se tornar mãe ou pai. Para todos estes acontecimentos, existe uma fonte abundante de informações que você entra em contato ao longo da vida, sabendo que um dia pode acontecer com você.

Quando o inesperado acontece, você recorre também a memórias para buscar os recursos internos e se adequar e se organizar perante a situação. Demore o tempo que for você acaba se acostumando ao que foi inusitado e se familiariza com isso lentamente, pois o inesperado é assim mesmo, aquilo para o qual você não se preparou.

Dá para imaginar que algumas pessoas sofrem mais ou menos quando o assunto é fugir do padrão. A maioria das pessoas se acomoda muito bem no senso comum. Estudar, se formar, namorar, casar, ter filhos, se aposentar,  é, por exemplo, uma sequência de vida que está impregnada no senso comum e as pessoas são induzidas a seguir este modelo dentro do tal padrão normal. Nem questionam, nem percebem, muitas vezes, que estão seguindo um roteiro prévio que elas nem escolheram e nem refletiram a respeito. Seguem apenas. Simples assim.

Algumas pessoas se rebelam e fazem seu próprio caminho de forma diferente, algumas pessoas se frustram porque seguem e não se contentam e algumas outras são tiradas na marra deste confortável caminho padrão, justamente pelo inesperado.

Quanto mais flexível, mais você se ajusta. Quanto mais rigoroso, mais sofre.

O inesperado pode ser um acidente ou sua saúde te pregando peças e trazendo uma deficiência física para sua vida, temporária ou permanente. Pode ser também receber um filho com necessidades especiais, pode ser conviver com pessoas diferentes, seja esta pessoa seu chefe, seu sogro, ou seu amor.

O que eu sei é que a diferença humana ainda é para nós inesperada. A escola diz que não está preparada para a criança com deficiência, a cidade diz que não está preparada para o imobilizado parcial ou total, a sociedade diz que não está preparada para uma diferente configuração de família. Mas o diferente segue mostrando que todos somos diversos, que não há receita e nem padrão quando o assunto é ser gente e, aqueles que são rígidos, que se dizem despreparados, começam lentamente a se tornar as exceções, os pobres coitados cegos de orgulho e deficientes de aceitação.

Infelizmente, eles ainda interferem na minha vida e também na felicidade da minha filha, que é lindamente diferente e especial. Mas, para que não me atinjam com suas convicções exclusivistas e preconceituosas, eu me armo de amor e de aceitação pela deficiência deles, pela diferença que os diminui sem que percebam. Eu me armo da poesia de Quintana e sorrindo de compaixão reflito: “Todos estes que estão aí atravancando o meu caminho, eles passarão. Eu passarinho”.

Que eles permaneçam, se assim quiserem, com o peso de pedra de suas crenças e preconceitos e na dureza de quem carrega certezas e nunca muda, que eu sigo na leveza do que me faz diferente e na busca incessante de novos olhares e na aceitação que me faz ser gente.

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