Reportagem publica na Folha de S. Paulo sobre o aplicativo Livox.
Para dar uma melhor qualidade de vida e estimular o potencial de sua filha, Clara, 9, com paralisia cerebral, o pernambucano Carlos Pereira, 38, desenvolveu uma tecnologia que já ajudou mais de 20 mil pessoas com deficiência a se comunicarem.
Isso porque o aplicativo Livox consegue atender diferentes deficiências e doenças, como autismo, ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica) e sequelas de AVC (Acidente Vascular Cerebral), com potencial de impactar 15 milhões de brasileiros com dificuldades de fala.
“Existem cerca de 1 bilhão de pessoas com deficiência no mundo [de acordo com a Organização Mundial da Saúde]. Eles são a maior minoria do planeta”, afirma o empreendedor social.
A ferramenta cujo nome vem do latim e significa liberdade e voz facilitou a vida de muitas famílias que, assim como a do empreendedor social, precisavam se valer de volumosos fichários e cartões de comunicação alternativa para inserir crianças e adultos com deficiência no mundo.
“O Livox veio para dar essa força às famílias que andavam com pastas, o que era pouco prático. É muito mais fácil levar um tablet na bolsa”, afirma Ana Cláudia Cavalcanti, mãe de Rafael, 10, que tem autismo, e se utiliza do aplicativo para se comunicar com a família e também para aprender. “É uma ferramenta também de inclusão escolar.”
O benefício proporcionado pelo Livox foi reconhecido pela ONU (Organização das Nações Unidas), que o premiou como a melhor tecnologia inclusiva do mundo.
O aplicativo venceu também o Desafio de Impacto Social do Google para deficiências, que lhe garantiu um investimento de cerca de R$ 2,2 milhões para aprimoramentos que permitiam os usuários se comunicarem com mais rapidez.
LIVOX NA ESCOLA
Com sua eficácia comprovada pelos pais, o Livox chegou também às escolas. A Prefeitura do Recife adquiriu, em 2014, 5.000 licenças do software que hoje são utilizadas por alunos de escolas municipais, como a de Educação Infantil Engenho do Meio, na periferia da capital pernambucana.
“Quando vi o Livox em um programa de televisão, disse que queria aquilo para os meus alunos. A gente procurou a Secretaria [de Educação do Recife], que disponibilizou o serviço e topei testar”, conta Jeyse Anne de Oliveira, 36, professora de atendimento educacional especializado na Engenho do Meio.
A escola é referência no atendimento de jovens com deficiência, promovendo a inclusão de 86 alunos com alguma carência física ou intelectual.
Um deles é Jhonatan Santos, 19, o primeiro estudante da rede municipal a usar o aplicativo em sala de aula.
“O Livox permite em qualquer momento expressar aquilo que ele [Jhonatan] está sentindo. É a sensação de liberdade”, conta Ginny Lins, 33, mãe do jovem que teve paralisia cerebral durante o parto.
Com seu largo sorriso e uma destreza que impressiona apesar dos movimentos em espasmos, Jhonatan manda mensagens de texto e posta vídeos pelo Facebook, provando que o uso da tecnologia lhe abriu as portas do mundo.
O jovem pediu à mãe que fizesse uma homenagem ao criador do Livox. “Obrigado, Carlos, por fazer as outras pessoas me ouvirem”.
Para a diretora Bianca Simonetti, além de ganhos na comunicação e na aprendizagem, a tecnologia “dá protagonismo aos alunos.”
Após a experiência com Jhonatan, o secretário de Educação do Recife, Jorge Vieira, conta que o aplicativo passou a fazer parte da política de educação inclusiva.
“Já temos 500 tablets com Livox instalado, 260 deles estão com o aluno e sua família. Outros 240 já foram distribuídos em 111 escolas que têm sala de multirrecursos onde os alunos são atendidos”, diz o secretário.
EXPANSÃO
O impacto do uso do aplicativo Livox deve aumentar por meio de uma parceria com a Federação das Apaes (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) do Estado de São Paulo, na qual haverá um desconto de 74% na venda da licença, que passará a custar R$ 350.
É uma forma de democratizar o software no Brasil. “Fechamos com o Livox e já iniciamos a utilização em 22 Apaes e a expectativa é que a gente expanda para todas as Apaes de São Paulo, que são 305”, afirma, Crisitiany de Castro, presidente da federação.
Nessa parceria com a associação, são esperados 2.500 novos usuários até o fim de 2016 e 60 mil, em 2017.
Com a nova lei de inclusão escolar (Lei 13.146/2015), que proíbe escolas privadas de cobrar a mais de alunos com deficiência e determina que ofereçam profissionais de apoio, o aplicativo também foi avaliado pelo MEC (Ministério da Educação).
“A avaliação do Instituto Renato Archer para o ministério classificou o Livox como uma ótima ferramenta de alfabetização para pessoas com e sem deficiência”, explica o sócio de Carlos, Paulo Henrique Araújo, o que mostra seu potencial de inclusão.
O aplicativo “Made in Brazil” atravessa fronteiras e já é comercializado em quatro outras línguas: inglês, árabe, espanhol e alemão. Nos Estados Unidos, a tecnologia brasileira é usada na reabilitação pediátrica do Florida Hospital.
A competitividade da tecnologia em solo americano é destacada pela chefe do programa de reabilitação pediátrica do Florida Hospital, Sarah Robins, onde uma licença custa US$ 250, aproximadamente R$ 800.
“Tivemos recentemente uma garota que teve autorização do seguro de saúde para o pagamento de parte de sua ferramenta de comunicação, antes de conhecermos o Livox, no valor de US$ 5.000. O processo dura entre 6 e 12 meses para ser autorizado e ela ainda não recebeu o aplicativo”, relata.
A fonoaudióloga Erica Heatherington ressalta a facilidade de trabalhar com o aplicativo no Florida Hospital, onde utiliza o Livox há quatro meses com pacientes com diferentes deficiências. “É uma plataforma com interface amigável. É fácil de programar, de personalizar e de levar pelo hospital, o que é um ótimo benefício para nós.”
Fonte: Folha de S. Paulo