Como chamar as pessoas que têm deficiência?

Romeu Kazumi Sassaki, consultor de inclusão social, educação inclusiva e inclusão laboral, fala sobre a evolução da terminologia usada para se referir as pessoas com deficiência ao longo dos anos

Foto de uma mulher cega sentada no sofá de uma sala com um celular na mão direta, próximo a sua boca. Ao seu lado está uma bengala.

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Por Romeu Kazumi Sassaki consultor de inclusão social, educação inclusiva e inclusão laboral e Presidente da Associação Nacional do Emprego Apoiado (Anea)

Qual é o termo correto para se referir a uma pessoa que tem uma deficiência? Portador de deficiência, pessoa portadora de deficiência ou portador de necessidades especiais? Responder essa questão tão simples é simplesmente trabalhoso, por incrível que possa parecer.

Jamais houve ou haverá um única expressão correta, válida definitivamente em todos os tempos e espaços. A cada época são utilizadas palavras cujos significados são compatíveis com os valores vigentes no período. Percorramos, mesmo que superficialmente, a trajetória da terminologia utilizada ao longo da história da atenção às pessoas com deficiência no Brasil.

No começo da história, durante séculos
Romances, nomes de instituições, leis, mídia e outros meios mencionavam “os inválidos”. O termo designava “indivíduos sem valor” e foi utilizado até o século XX, embora já sem nenhum sentido pejorativo nesse período. Aquele que tinha deficiência era tido como socialmente inútil, um peso morto para a sociedade, um fardo para a família, alguém sem valor profissional.

  • Inválidos: significava “indivíduos sem valor”.

Início do século XX até meados de 1960
Após a 1ª e 2ª guerras mundiais, a mídia passou a usar “os incapacitados”. O termo designava, de início, “indivíduos sem capacidade” e, mais tarde, passou a significar “pessoas com capacidade residual”. Durante várias décadas, era comum o uso dessa expressão para se referir a pessoas com deficiência de qualquer idade. Uma variação foi “os incapazes”, que significava “aqueles que não são capazes” de fazer determinada atividade por causa da deficiência.

Foi um avanço a sociedade reconhecer que a pessoa com deficiência poderia ter capacidade, mesmo que reduzida. Mas, ao mesmo tempo, considerava-se que a deficiência, qualquer que fosse o tipo, eliminava ou reduzia a capacidade da pessoa em todos os aspectos: físico, psicológico, social, profissional etc.

  • Incapacitados: significava “aqueles que não têm capacidade”;
  • Incapazes: significava “aqueles que não são capazes” de fazer determinadas tarefas por conta da deficiência que tinham.

Entre 1960 e 1980
No final da década de 1950 foi fundada a Associação de assistência à criança defeituosa (AACD), hoje denominada Associação de assistência à criança deficiente. No mesmo período, também surgiram as primeiras unidades da Associação de pais e amigos dos excepcionais (Apae). A sociedade passou a utilizar esses três termos, que focalizam as deficiências em si.

  • Defeituosos: significava “indivíduos com deformidade”, principalmente física;
  • Deficientes: significava “indivíduos com deficiência” em geral. Fosse física, intelectual, auditiva, psicossocial, visual ou múltipla, a deficiência os levava a executar as funções básicas de vida (andar, sentar-se, correr, escrever, tomar banho etc.) de forma diferente do modo como as pessoas sem deficiência faziam. Nessa época, isso começou a ser aceito pela sociedade;
  • Excepcionais: significava “indivíduos com deficiência intelectual”.

Simultaneamente, difundia-se o movimento em defesa dos direitos das “pessoas superdotadas”, expressão substituída posteriormente por “pessoas com altas habilidades” ou “pessoas com indícios de altas habilidades”. O movimento mostrou que a expressão “os excepcionais” não poderia referir-se exclusivamente àqueles com deficiência intelectual, pois as pessoas com altas habilidades/superdotação também seriam excepcionais por estarem na outra ponta da curva da inteligência humana.

A década de 1980
Por pressão das organizações de pessoas com deficiência, a Organização das Nações Unidas (ONU) determinou 1981 como Ano internacional das pessoas deficientes. E o mundo achou difícil começar a dizer e escrever “pessoas deficientes”. O impacto dessa terminologia foi profundo e ajudou a melhorar a imagem desse segmento da sociedade. Foi atribuído o valor “pessoas” àqueles que tinham deficiência, igualando-os em direitos e dignidade a todos.

  • Pessoas deficientes: o substantivo “deficientes” passou a ser utilizado como adjetivo, sendo-lhe acrescentado o substantivo “pessoas”.

De 1988 a 1993
Líderes de organizações de pessoas com deficiência passaram a contestar a expressão “pessoa deficiente”, alegando que ela sinalizava que a pessoa inteira seria deficiente. Ganhou terreno o termo “pessoas portadoras de deficiência” nos países de língua portuguesa. Pela lei do menos esforço, logo foi reduzido para “portadores de deficiência”.

“Portar uma deficiência” passou a ser um valor agregado à pessoa. Com isso, a deficiência passou a ser um detalhe da pessoa. O termo foi adotado na Constituição federal e em todas as leis e políticas públicas. Conselhos, coordenadorias e associações passaram a incluir a expressão em seus nomes formais.

  • Pessoas portadoras de deficiência: foi proposto para substituir “pessoas deficientes”.

Ao longo da década de 1990
“Pessoas com necessidades especiais” surgiu, a priori, para substituir “deficiência”. Também apareceram expressões como “crianças especiais”, “alunos especiais”, “pacientes especiais”, em uma tentativa de amenizar a contundência da palavra “deficientes”. De início, “pessoas com necessidades especiais” representava apenas um novo termo. Depois, com a vigência da Resolução CNE/CEB nº 2 Site externo, “necessidades especiais” passou a ser um valor agregado tanto à pessoa com deficiência quanto a outras pessoas.

  • Necessidade especial: substituía “deficiência”;
  • Especial: surgiu para amenizar “deficientes”.

A partir de 2000
O fim da década de 1990 e a primeira década do século XXI foram marcadas por eventos mundiais liderados por organizações de pessoas com deficiência. A Declaração de Salamanca preconiza a expressão “pessoas com deficiência”, com a qual os valores agregados às pessoas com deficiência passou a ser o do empoderamento (uso do poder pessoal para fazer escolhas, tomar decisões e assumir o controle da situação de cada um) e o da responsabilidade de contribuir com seus talentos para mudar a sociedade rumo à inclusão de todas as pessoas, com ou sem deficiência.

  • Pessoas com deficiência: passa a ser o termo preferido por um número cada vez maior de adeptos, boa parte dos quais é constituída por pessoas com deficiência.

Os princípios da terminologia
Os movimentos mundiais de pessoas com deficiência, incluindo os do Brasil, já fecharam a questão: querem ser chamados de “pessoas com deficiência”, em todos os idiomas. Esse termo faz parte do texto da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, adotado pela ONU em 2006, ratificado com equivalência de emenda constitucional no Brasil através do Decreto Legislativo nº 186 Site externo e promulgado por meio do Decreto nº 6.949 Site externo, em 2009. Os princípios básicos para os movimentos terem chegado a essa terminologia foram:

  1. Não esconder ou camuflar a deficiência;
  2. Não aceitar o consolo da falsa ideia de que todos têm deficiência;
  3. Mostrar com dignidade a realidade da deficiência;
  4. Valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência;
  5. Combater eufemismos que tentam diluir as diferenças, tais como “pessoas com capacidades especiais”, “pessoas com eficiências diferentes”, “pessoas com habilidades diferenciadas”, “pessoas dEficientes”, “pessoas com disfunção funcional” etc.
  6. Defender a igualdade entre pessoas com deficiência e sem deficiência em termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência;
  7. Identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes e a partir daí encontrar medidas específicas para o Estado e a sociedade diminuírem ou eliminarem as “restrições de participação” (dificuldades ou incapacidades causadas pelos ambientes humano e físico contra as pessoas com deficiência).

Conclusão
A tendência é no sentido de parar de dizer ou escrever a palavra “portadora”. Tanto o verbo “portar” como o substantivo ou o adjetivo “portador” não se aplicam a uma condição inata ou adquirida que faz parte da pessoa. Por exemplo, não dizemos que certa pessoa é portadora de olhos verdes ou pele morena. Uma pessoa só pode portar algo de modo deliberado ou casual. Por exemplo, uma pessoa pode portar um guarda-chuva se houver necessidade e deixá-lo em algum lugar por esquecimento ou se assim decidir. Não se pode fazer isso com uma deficiência, é claro.

A quase totalidade dos documentos, a seguir mencionados, foi escrita e aprovada por organizações de pessoas com deficiência que nos debates para a elaboração do texto da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência chegaram ao consenso quanto a adotar a expressão “pessoas com deficiência” em todas as suas manifestações orais ou escritas.

Documentos do Sistema ONU
• 1990 – Declaração mundial sobre educação para todos (Unesco);
• 1993 – Normas sobre a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência (ONU);
• 1993 – Inclusão plena e positiva de pessoas com deficiência em todos os aspectos da sociedade (ONU);
• 1994 – Declaração de Salamanca e linhas de ação sobre educação para necessidades especiais (Unesco);
• 2001 – Classificação internacional de funcionalidade, deficiência e saúde (OMS);
• 2004 – Declaração de Montreal sobre deficiência intelectual (OMS-Opas);
• 2004 – Declaração sobre o dia internacional das pessoas com deficiência (OIT);
• 2006 – Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e Protocolo facultativo à convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência (ONU);
• 2011 – Relatório mundial sobre a deficiência (OMS).

Documentos de outros organismos mundiais
• 1983 – Declaração de Cave Hill;
• 1991 – Declaração de Harare;
• 1992 – Declaração de Vancouver;
• 1993 – Declaração de Santiago;
• 1993 – Declaração de Maastricht;
• 1993 – Declaração de Manágua;
• 1999 – Carta para o terceiro milênio;
• 1999 – Declaração de Washington;
• 1999 – Convenção da Guatemala;
• 2000 – Declaração de Pequim
• 2000 – Declaração de Manchester sobre educação inclusiva;
• 2002 – Declaração internacional de Montreal sobre inclusão;
• 2002 – Declaração de Madri;
• 2002 – Declaração de Sapporo;
• 2002 – Declaração de Caracas;
• 2003 – Declaração de Kochi;
• 2003 – Declaração de Quito;
• 2005 – Aliança global sobre educação inclusiva;
• 2006 – Declaração da década das Américas pelos direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência (2006-2016);
• 2008 – Carta de Santos;
• 2009 – Declaração de Kampala;
• 2011 – Declaração de Durban.

Artigo licenciada pelo Instituto Rodrigo Mendes Site exter e DIVERSA.


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