Quando o direito de acesso à comunicação é tirado de pessoas com deficiência auditiva e visual

Dados do Censo do IBGE apontam que cerca de 24% da população brasileira se autodeclaram como pessoas com algum tipo de deficiência

Foto em close de duas mãos deslizando sobre uma folha de papel com texto em braile.
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Em abril, tivemos duas datas muito importantes que nos ajudam a refletir sobre a importância do diálogo. Ainda mais relevante é analisar como fazemos para dialogar, nos comunicar, trocar ideias com todas e todos, sem distinção.

A primeira data foi o Dia Nacional do Sistema Braille, celebrado em 8 de abril, que remete a pessoas cegas ou com baixa visão. E a segunda, o Dia Nacional da Língua Brasileira de Sinais Libras, em 24 de abril, que remete a pessoas surdas ou com baixa audição. Dados do Censo do IBGE (2010) apontam que cerca de 24% da população brasileira se autodeclaram como pessoas com algum tipo de deficiência, ou 7%, considerando um refinamento deste estudo, no qual foram especificadas somente deficiências mais severas.

Ainda segundo o IBGE, há no país mais de 6,5 milhões de pessoas com alguma deficiência visual. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que, se houvesse um número maior de ações efetivas de prevenção e tratamento, a maioria dos casos poderia ter sido evitada.

Já o estudo do Instituto Locomotiva, realizado em parceria com a Semana da Acessibilidade Surda (SAS) em 2019, aponta que cerca de 10 milhões de brasileiros são pessoas com deficiência auditiva, e desse total 2,3 milhões são surdas.

Estamos falando de milhões de brasileiros que têm o direito de ter acesso a conteúdos, por leitura em braille, áudio leitura ou língua dos sinais, à educação, e principalmente ao emprego. Vamos lembrar que, desde 1991, temos uma legislação no Brasil que nos diz que empresas com mais de 1001 funcionários, mencionando apenas as grandes companhias, devem ter 5% de pessoas com deficiência em seu quadro de profissionais.

Se a comunicação é uma limitação para os profissionais que apresentam esses dois tipos de deficiência, como as áreas de recursos humanos vão chegar até eles? Como irão divulgar as vagas? E, principalmente, como farão um processo seletivo justo e correto quando essa pessoa chegar até a empresa?

As iniciativas a serem tomadas são simples, mas precisamos nos adaptar. Sim, nós, pessoas sem deficiência, precisamos nos adaptar. Parar de cobrar uma mudança do outro, ou falar que o outro precisa mudar. As pessoas com deficiência não precisam mudar, quem precisa mudar somos nós. E a sociedade.

Divulgar as vagas somente em meios impressos não é suficiente, vamos divulgar nas rádios também. Vamos tornar os nossos sites acessíveis, com sistema de som e áudio. E que tal incluir Libras em nossos eventos? Vamos divulgar as nossas vagas em instituições que atuem com pessoas com deficiência, vamos contratar especialistas que estudaram sobre esse tema.

O Brasil tem duas línguas oficiais, e uma delas é a Libras. Por que então não estudamos para ter conceitos básicos dessa língua desde o ensino primário? Até o século 15, acreditava-se que pessoas surdas eram incomunicáveis. O francês Charles-Michel foi quem criou, na metade do século XVIII, o sistema de sinais para alfabetizá-las.

No Brasil, a luta pela educação das pessoas surdas começou em 1857, após a vinda do francês, Eduard Huet, que era surdo, para a fundação da primeira escola para surdos, hoje conhecida como Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES).

Ainda assim, infelizmente, parece que, até hoje, algumas empresas e pessoas acreditam que pessoas com deficiência auditiva continuam incomunicáveis.

A Lei N° 10.436/02, que dispõe sobre Libras e a reconhece como segunda língua oficial do Brasil, prevê o seu uso em ambientes públicos e privados, com o objetivo de proporcionar acessibilidade e visibilidade à comunidade de surdos.

O Braille, por sua vez, sistema criado e adaptado para a comunicação de pessoas com deficiência visual, existe há quase 200 anos. Este modo de escrita e leitura em relevo foi desenvolvido inicialmente pelo francês Louis Braille, em 1837.

Como podem dois sistemas de comunicação para pessoas com deficiência existirem há cerca de 200 e 300 anos e ainda serem, em 2020, um tabu para a sociedade? Como é possível não garantirmos que as informações relevantes estejam disponíveis e acessíveis a todos? Como é possível até hoje impormos a limitação a determinados grupos sociais nos processos seletivos, com base em nosso desconhecimento sobre o tema?

As pessoas surdas e cegas podem ir muito além das barreiras impostas pela sociedade, mas é inegável que para isso precisam de líderes e gestores que estejam abertos para as suas habilidades. Mais do que estar aberto à inclusão desses profissionais, o verdadeiro líder permite que esses profissionais se desenvolvam e cresçam dentro de suas empresas.

*Liliane Rocha CEO e Fundadora da Gestão Kairós, consultoria especializada em Sustentabilidade e Diversidade, autora do livro Como ser um líder Inclusivo e premiada com o 101 Top Global Diversity and Inclusion Leaders.

Fonte: Época Negócios 

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