Confira o texto do advogado Thiago Helton para o portal R7 sobre os impactos do texto da Reforma da Previdência nos direitos das pessoas com deficiência:
Desde a apresentação do novo projeto de reforma previdenciária elaborado pelo Governo Bolsonaro, várias discussões sobre o assunto se intensificaram não apenas no cenário político e na mídia, mas também nas redes sociais, nas rodas de conversa, resenhas de amigos… Todo mundo falando sobre as polêmicas e efeitos da reforma.
Então, para auxiliar o nosso público no no debate e no entendimento do tema que alcança os mais diversos segmentos da sociedade, eu me debrucei sobre o texto atual da reforma e resolvi elencar neste artigo os principais pontos que afetam diretamente a temática dos direitos das pessoas com deficiência (PCDs).
Atenção, a abordagem a seguir, não se trata de análise do texto da reforma por inteiro, mas exploramos tão somente às implicações do projeto no que tange aos Direitos da PcD.
Então, sem delongas. Tomem nota!
Benefício de Prestação Continuada (BPC)
A primeira alteração significativa no que tange ao Benefício de Prestação Continuada encontra-se na nova redação do art. 203, V, apresentada pelo projeto de reforma previdenciária.
O novo texto preserva a garantia do benefício à pessoa com deficiência, desde que, previamente seja submetida à avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, que comprove estar em condição de miserabilidade, vedada a acumulação com outros benefícios assistenciais e previdenciários.
Tecnicamente, o novo texto reflete o objetivo de se impor maior rigor nas análises de concessão e manutenção do benefício, o que já está sendo feito em termos de fiscalização elo Governo Federal.
Para as pessoas com deficiência, atualmente, o BPC/LOAS é garantido para aqueles que comprovarem renda familiar igual ou inferior a R$ 249,50, equivalente a 1/4 do salário mínimo por membro da família.
A princípio, o texto da reforma não traz modificações nos critérios de renda que permanecem como pilar para concessão e manutenção do benefício. Porém, para aferir a chamada “condição de miserabilidade”, o projeto passa a exigir um patrimônio familiar inferior a R$ 98 mil, o equivalente à Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida.
No meu entendimento esse é um dos maiores equívocos cometidos pelo projeto e que pode prejudicar de forma relevante milhares de famílias que se encontram em real condição de miserabilidade, sem acesso a políticas efetivas de emprego e renda e que podem não ser enquadradas nessa condição por terem a propriedade de um simples imóvel familiar avaliado em mais de R$ 98 mil.
A rigor as regras não mudam para as pessoas com deficiência que já recebem o benefício. Mas, caso o projeto seja aprovado na forma que está, isso não quer dizer que em futuras revisões para manutenção do benefício o critério patrimonial para condição de miserabilidade não venha a ser aplicado.
Lado interessante no tocante ao BPC, na nova proposta, restringe-se à incorporação do art. 94 da LBI no texto constitucional, o que garante o auxílio-inclusão para a pessoa com deficiência que deixa de receber o BPC para exercer atividade remunerada. Trata-se de um benefício equivalente à 10% do valor do BPC para complementar a renda da pessoa com deficiência. Lembrando, que nesse caso a pessoa com deficiência que começa a trabalhar, não perde o seu BPC, o benefício fica apenas suspenso.
Entretanto os beneficiários nessa qualidade permanecem sem direito ao décimo terceiro.
Em relação aos idosos o texto da reforma traz duras mudanças. O benefício de um salário mínimo só seria garantido aos idosos, em condição de miserabilidade, a partir dos 70 aos de idade. Sendo que, a partir dos 60 anos seria garantido tão somente um benefício em valor reduzido, fixado em R$ 400,00, sem garantia de reajuste. Sem dúvidas trata-se do maior retrocesso dentro do atual projeto de reforma previdenciária.
Aposentadoria por invalidez
Na regra atual a aposentadoria por invalidez tem como base pagamento de 100% da média salarial do segurado quando da concessão do benefício.
Segundo o projeto de reforma previdenciária, apenas os segurados que se tornarem pessoas com deficiência em virtude de um acidente de trabalho, doença profissional ou do trabalho é que teriam direito a 100% da média salarial em caso de “aposentadoria por invalidez”, que passa a se chamar “aposentadoria por incapacidade permanente”.
Caso a deficiência incidental aconteça por outra razão, por exemplo um acidente de carro nas férias do trabalhador ou um AVC em casa no final de semana, segundo o texto da reforma, essa pessoa só teria direito a 60% da média salarial. Caso o segurado já tenha completado 20 anos de contribuição, o valor será acrescido em 2% por cada ano a mais, ou seja, nessas circunstâncias seriam necessários 40 anos de contribuição para chegar a 100/% da média salarial.
É evidente o custo de vida de uma pessoa com deficiência, sobretudo as despesas com saúde, passam a ser bem maiores do que antes de se encontrar nessa qualidade. Contudo, infelizmente, o projeto não considera essa realidade que já é dura para o cidadão com deficiência e que pode se tornar ainda pior para aqueles que vão entrar na condição de deficiência caso o texto seja aprovado nesses termos.
Aposentadoria da Pessoa com Deficiência (Segurado pelo RGPS)
Atendendo a previsão do §1º do art. 201 da Constituição Federal, a Lei Complementar 142 de 2013 foi criada para estabelecer critérios diferenciados para aposentadoria da pessoa com deficiência, uma grande conquista social que produz efeitos significativos nas regras de hoje.
De acordo com o texto legal atual a pessoa com deficiência pode se aposentar por idade, aos 60 anos, se homem, ou 55 anos, se mulher, desde que o cidadão comprove o mínimo de 180 contribuições realizadas exclusivamente na condição de pessoa com deficiência (15 anos).
O texto da LC 142/2013 também prevê o benefício de aposentadoria ao cidadão com deficiência que comprovar o tempo de contribuição necessário, conforme o seu grau de deficiência (leve, moderada ou grave). Deste período de contribuição, no mínimo 180 meses devem ter sido trabalhados na condição de pessoa com deficiência.
O projeto de reforma previdenciária, a princípio não apresenta expressamente a desconstrução dessa modalidade especial de aposentadoria da pessoa com deficiência. Mas o projeto atual também perde a oportunidade de recepcionar expressamente as regras da lei complementar 142/2013, no que tange ao segurado com deficiência, o que juridicamente era possível fazer.
Contudo, no texto de reforma atual o cerne do projeto se dá justamente na possibilidade de alterações posteriores nas regras previdenciárias mediante nova lei complementar de iniciativa do Poder Executivo.
No caso, a reforma deixa claro que, se aprovado o texto do projeto como está, uma nova lei poderá estabelecer idade mínima e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria para os segurados com deficiência, previamente submetidos à avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar.
Entretanto, além do projeto já deixar sinalizado que uma nova lei complementar poderá trazer novas regras para o tema, o texto acaba nos surpreendendo com uma regra de transição interessante.
O texto da reforma estabelece que até que entre em vigor essa nova lei complementar, as aposentadorias garantidas aos segurados com deficiência previamente submetidos à avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar serão concedidas com valor de 100% da média aritmética desde que cumpridos:
• 35 anos de contribuição para deficiência considerada leve;
• 25 anos de contribuição para deficiência considerada moderada;
• 20 anos de contribuição para deficiência considerada grave;
A princípio, por interpretação literal, o texto não traz diferenciação de idade por sexo para as pessoas com deficiência, o que melhora a situação dos homens com deficiência grave por exemplo, pois segundo as regras atuais precisariam ter de 25 anos de contribuição para essa modalidade de aposentadoria.
Mas vale frisar que, embora o projeto original não seja claro quanto a idade mínima necessária para a aposentadoria da PcD, o texto ao menos garante expressamente a possibilidade de essas regras diferenciadas sejam estabelecidas por nova lei complementar.
Tecnicamente, se aprovado desta forma o projeto, as regras de transição, que teriam força constitucional, estariam acima da Lei Complementar 142/2013, em respeito a chamada hierarquia das normas jurídicas.
Contudo, vale destacar que uma nova lei complementar a ser aprovada após a reforma previdenciária, poderá estabelecer novos critérios diferenciados de aposentadoria para as pessoas com deficiência pelo Regime Geral de Previdência Social. Logo precisamos ficar atentos ao que pode vir após aprovação da reforma no Congresso Nacional.
Aposentadoria dos servidores com deficiência
Atualmente os servidores públicos com deficiência seguem aguardando ansiosamente pela criação da lei complementar prevista no art. 40, §4º, I do atual texto constitucional, para que sejam estabelecidos os critérios especiais de aposentadoria do servidor nessa qualidade.
Enquanto isso não acontece, conforme entendimento atual do Supremo Tribunal Federal, é possível aplicar aos servidores com deficiência, as regras do regime geral de previdência social, ou seja, por analogia podem ser adotadas as regras da Lei Complementar 142/2013 para os pedidos de aposentadoria especial do servidor público efetivo com deficiência.
No texto da reforma previdenciária, a previsão de uma lei complementar para tratar do tema continua existindo, porém já sinalizando expressamente que quando a matéria vier a ser regulada a avaliação da deficiência deverá ser de cunho biopsicossocial e realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar.
Contudo, em suas regras de transição, o projeto garante aos servidores com deficiência que tiverem entrado em exercício até a promulgação da Emenda Constitucional da reforma, o direito de se aposentar voluntariamente com tempo de contribuição proporcional à gravidade da deficiência, como acontece no regime geral, porém com o requisito cumulativo de pelo menos 20 anos de efetivo exercício e de pelo menos 5 anos no cargo em que se der a aposentadoria.
No que tange à idade mínima para servidores com deficiência, o texto não é claro nas regras de transição. Mas a proposta inicial prevê, assim no regime geral, a possibilidade de regras diferenciadas de idade mínima e tempo de contribuição mediante lei complementar.
Ajustes são necessários em respeito à dignidade da pessoa com deficiência
No tocante específico aos direitos das pessoas com deficiência o texto atual da reforma previdenciária, ao menos, não se apresenta tão cruel quanto era o projeto anterior elaborado pelo Governo Temer. Contudo existem mudanças que são mais do que necessárias sob pena de se institucionalizar, pela via previdenciária, a violação à dignidade da pessoa com deficiência.
O momento político é o mais adequado e cirúrgico para se discutir demandas mais do que necessárias como a mudança nos critérios de renda para concessão e manutenção do BPC. Esperamos que o Congresso Nacional não se mantenha inerte nesse ponto engolindo ainda o novo critério patrimonial de R$ 98 mil para concessão do benefício, o que pode agravar ainda mais a situação das famílias em condição real de miserabilidade.
Por fim, vale lembrar que a aposentadoria diferenciada para as pessoas com deficiência na forma da LC 142/2013, foi uma grande conquista social para o segmento. Muito embora o projeto de reforma, aparentemente, otimize essa modalidade de aposentadoria da pessoa com deficiência pelo regime geral, fica o receio de que futuramente uma nova lei complementar possa gerar algum retrocesso.
Confira o projeto de reforma previdenciária na íntegra com algumas marcações nas partes que afetam os direitos das pessoas com deficiência.
Fonte: R7