VML: Como foi sua infância e adolescência?
Fausta Cristina: Minha infância foi bem comum. Altas doses de imaginação me faziam sonhar acordada, li muitos e muitos livros e convivi com meus irmãos. Minha mãe foi generosa com o mundo, teve seis filhos, que cresceram juntos em meio a muita bagunça. Nós brigávamos tanto quanto brincávamos, até hoje, permanecemos muito unidos.
Na adolescência, fiz escolhas em ordem invertida. Casei antes de terminar meus estudos e, apenas dois anos após o casamento, tive meu primeiro filho, o que acabou adiando minha entrada na faculdade. Estudei pedagogia, me formei aos 36 anos e fiz minha pós-graduação em psicopedagogia logo em seguida. Nesta época, minha terceira filha, a caçula, nasceu e trouxe o autismo para minha vida, o que fez tudo ter um sentido totalmente diferente.
VML: Como foi o processo de relacionamento com pessoas com deficiência? Você sempre teve contato, mesmo antes de sua filha nascer?
Fausta Cristina: Sempre atuei no Terceiro Setor. Trabalhava em uma ONG como educadora social e, quando minha filha nasceu com autismo, passei a me dedicar exclusivamente a ela. Agora, tenho atuado também como voluntária, na tentativa de aumentar a disseminação da informação sobre o autismo. Faço palestras, dou cursos, atendo a pais… Tudo de forma gratuita e sempre abordando o autismo, que é a minha causa de vida e o que eu estudo até hoje. Além disso, sou membro fundadora e voluntária do Instituto Autismo e Vida, de Porto Alegre (RS).
VML: Como é conviver com uma pessoa com deficiência? Vocês sofrem algum tipo de dificuldade ou preconceito?
Fausta Cristina: Conviver com alguém diferente do padrão dito “normal” é maravilhoso. Ganha quem convive. Temos que nos questionar sobre novas formas de agir, se comunicar e fazer o que habitualmente fazemos de forma mecânica e sem reflexão. Isso traz tudo para outra dimensão, onde o “fazer” é pensado e refletido na perspectiva do outro. Saímos do egoísmo, mesmo sem querer. É maravilhoso, embora a gente sinta alguma dor aqui e ali.
A grande dificuldade não vem da pessoa com deficiência com quem convivemos. Vem justamente da incompreensão das pessoas que querem que as outras se ajustem a tudo e não fazem nenhum ajuste nem por ninguém, nem para ninguém. Minha filha foi recusada por inúmeras escolas e já sofreu com o bullying. Isso é cruel.
VML: Você tem alguma curiosidade ou acontecimento para compartilhar com nossos leitores?
Fausta Cristina: Eu tenho casos que dariam um livro! Um dos mais tocantes foi quando me voluntariei, morando no Rio de Janeiro, para um trabalho de acolhimento onde a proposta era ouvir a pessoa e seus problemas.
Numa tarde, uma mulher me procurou desesperada dizendo que pensava em tirar a própria vida. Me disse sobre a dificuldade com sua filha, que já tinha mais de vinte anos. Na medida em que ela descrevia o comportamento da jovem, identifiquei traços de autismo, mas não cabia a mim fazer um diagnóstico nem colocar a minha suspeita. Conduzi a conversa com respeito e carinho e, ao final, apenas a indiquei um livro fantástico, a biografia de uma mulher com autismo.
Ela voltou a me procurar, reconheceu as semelhanças da filha com a personagem e foi encaminhada para uma associação de pais, onde pôde comprovar suas suspeitas, e mais tarde, obteve o diagnóstico correto da filha.
O fato de ela ter vindo falar justamente comigo e de ter descoberto o autismo da filha por este caminho – diagnósticos tardios de autismo são bem comuns – foi algo incrível, que reforçou em mim a certeza da necessidade da divulgação de informação sobre este transtorno.