Ana Cristina da Silva Carvalho

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Era sábado, 14 de agosto de 1993, quando eu ainda trocava de roupa, e retocava o meu batom em frente ao espelho. Eu não prestava muita atenção em minha mãe que, gentilmente, me pedia para não sair da cidade, que eu tomasse cuidado, porque ainda haveria de acontecer comigo uma tragédia – mãe realmente sabe o que fala).

Saí sem dar muita importância ao que ela me dizia, me encontrei com a turma de amigos em um barzinho, naquela época ponto de encontro dos jovens Jaborandienses, conversamos, rimos muito, emfim, só estava começando à noite. Depois de algumas horas de bate-papo, resolvemos ir para Terra-Roxa, uma cidade vizinha. Mesmo rodeada de amigos, eles me disseram que ao chegar lá, meu humor mudou, chorei sem motivos, tinha tristeza em tudo que eu fazia. Então, voltamos para Jaborandi, alguns amigos me disseram que fui à boate do grêmio, dancei e conversei com o pessoal, e já estava mais animada, aí convidei alguns deles para dar uma volta de carro, porém o destino já estava traçado.

Naquela noite o cinto de segurança fez falta. Foram várias cambalhotas no ar. Fui socorrida por um amigo que passava no momento. Fui jogada para fora do veículo, sofri um corte grande na cabeça, que sangrava muito, o meu cabelo cobria a minha face, misturado a terra e sangue, que muito dificultava o meu reconhecimento, só depois de algum tempo ele me reconheceu pela voz. Era por volta da 1h da manhã do dia 15 de agosto de 1993, já não movia minhas pernas, tinha dificuldades para respirar, pois tive também uma lesão no pulmão, e me queixava de muita dor. Fui levada ao pronto socorro da cidade de Colina, onde o médico plantonista suturou o meu couro cabeludo e imediatamente me encaminhou à Santa Casa de Misericórdia da cidade de Barretos.

Meu irmão Rodrigo foi o primeiro da minha família a chegar ao hospital. Depois de duas horas de espera no Pronto socorro da Santa Casa, fui atendida só depois que minha irmã Luciane, que também trabalhava em hospital chegou, diante do apelo e desespero. Levada ao Raio-X, foi constatada uma compressão medular, causada por choque entre as vértebras. Passei por um processo de higienização e fui levada ao Centro Cirúrgico. Meus pais só ficaram sabendo do ocorrido horas mais tarde. Depois de três dias após minha primeira cirurgia, minha mãe ainda se encontrava em estado de choque, e ainda não tinha forças para me ver. Tudo isso foi relatado por parentes e amigos, porque, o que ficou em minha memória é só a dor que passei, e de mais nada me lembro.

Mas minha família tinha um consolo, ao voltar do centro cirúrgico, me recuperava bem, sentia minhas pernas outra vez e já fazia alguns movimentos lerdos e desordenados. Depois de dezessete dias passei pela minha segunda cirurgia, aí foi quando o pesadelo mostrou não ter acabado, passei por uma artrodese (fixação de placa na coluna), e voltara ao meu quarto morta da cintura até os pés, mais uma vez. Depois de um mês de internação, fui transferida para o Hospital de Jaborandi, minha cidade, onde estava mais perto da minha família, transcorreu assim 6 meses de internação.

Orientado por um amigo, meu pai procurou um dos mais conceituados neurologistas de Ribeirão Preto, que nos indicou o Hospital Sarah Kusbstichek, na cidade de Brasília/DF, considerado o melhor hospital da América Latina em reabilitação. Cheguei ao Sarah no dia 27 de fevereiro de 1994, iniciando minha reabilitação. Com muito esforço e força de vontade, consegui muitas vitórias, como me tornar independente, e com o tempo alguns sentidos foram voltando, já sentia e controlava minhas necessidades fisiológicas. Retornei depois de 3 meses, tendo que encarar uma cadeira de rodas e uma sociedade preconceituosa e crítica.

Hoje tenho 30 anos, reabilitada no conceito de viver, integrada ao funcionalismo público de minha cidade, devido ao concurso público que prestei e muito me destaquei. Para finalizar, é difícil falar a um jovem como agir. Às vezes, a procura por emoções é mais forte que a razão e quase sempre não damos ouvidos a instintos e recomendações de responsabilidades e deveres dados por mais velhos. A única coisa que tenho certeza é que a arte da vida é magnífica e antes de qualquer impulso ou manipulação do assédio da juventude deve-se pensar que a vida é o mais precioso dom que Deus nos deu . Viva intensamente, mas viva seguro.

O meu nome é Ana Cristina da Silva Carvalho, e este depoimento foi escrito por mim para que todos possam conhecer um pouco da minha.

"Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino. "Louco" é quem não procura ser feliz". "Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria. "Surdo" é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. "Mudo" é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia. "Paralítico" é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda. "Diabético" é quem não consegue ser doce. "Anão" é quem não sabe deixar o amor crescer. E "Miserável" somos todos que não conseguimos falar com Deus. (Renata Vilella).

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