José Valdí da Silva

Compartilhe:
José Valdí da Silva ao lado de sua mulher

Sou ex-caminhoneiro. Devido a um acidente, estou paraplégico, mas meu sonho de voltar a dirigir um caminhão ainda não acabou. Recentemente, li no jornal O Estado de S. Paulo que pessoas com deficiência podem ter CNH profissional, desde que prove que são capazes, passando pelos mesmos testes que uma pessoa ¨normal¨.

Minha história começa nos anos oitenta, quando eu ainda era uma criança e tinha 10 anos quando andei de carona no caminhão do meu tio, na época, eu morava em uma vila no município de Agrestina/PE. Essa carona me renovou a esperança, pois onde morava não tinha muita expectativa de aprender uma profissão. Naquele momento, eu tive a convicção de que eu queria ser um motorista de caminhão. O caminhão era um MB1113, o ano deveria ser um setenta e poucos, não lembro qual ano exatamente, mas a cor era azul, isso eu não esqueci, então, daí em diante eu comecei a sonhar que eu dirigia um caminhão.

Onde eu morava existiam um ou dois caminhoneiros, lembro de um senhor que comprou um MB1113 amarelo, quase laranja. Que caminhão lindo! Ainda me lembro do ronco dele. Nessa época meu pai era um pequeno criador e comerciante, possuía uma rural da Ford, depois trocou por uma caminhonete também da Ford, era quase o que eu queria, aprendi a dirigir, mesmo sendo pequeno. Foi por necessidade, pois eu era o mais velho dos irmãos e tinha que ajudar o meu pai, naquele tempo, quase ninguém tinha TV em casa, nós éramos dos poucos que tínhamos. Lembro do seriado Carga Pesada, eu adorava assistir o Pedro e o Bino (Antonio Fagundes e Stenio Garcia). Como eu adorava ver aquele Scania jacaré na estrada, era meu sonho. Quando o Roberto Carlos lançou a música Caminhoneiro, eu só escutava ela, lembro até do caminhão do clipe, que era um Volvo branco. Com o passar do tempo, tivemos que ir morar na cidade, pois tínhamos que estudar.

Eu e meus irmãos estudávamos e trabalhávamos com meu pai, cuidávamos dos animais que tínhamos no sítio, e também íamos para as feiras com ele, pois éramos comerciantes ambulantes, e sempre sonhando com os caminhões que passavam nas estrada. Ao ver os caminhões nas pequenas viagens que fazia com meu pai, eu falava para ele que um dia iria dirigir um caminhão deste, e meu velho dizia, "meu filho, esta vida é muito perigosa", mas era meu sonho, e eu respondia "pai, em toda profissão existe risco, é o que eu quero pra minha vida, eu vou ser caminhoneiro se Deus quiser, e Ele quer".

O tempo foi passando e comecei a trabalhar em uma granja, não era o que eu queria pra mim, mas no momento estava bom, lá existiam muitos caminhões, e só de estar perto deles já ficava feliz. Ainda não tinha CNH, pois naquele tempo era muito caro e difícil tirar. Como o trabalho era pesado, tive que parar de estudar, meu pai reclamou, mas, eu tava atrás do meu sonho, que era ganhar dinheiro para tirar a CNH, mas quanto mais eu trabalhava, mais o dinheiro não dava pra nada.

Fiquei 1 ano neste trabalho e não apareceu a oportunidade que esperava, pois alguns trabalhavam dirigindo mesmo sem a CNH, lógico que essas pessoas só rodavam dentro dos limites da granja, e eu continuava trabalhando sem gostar do que estava fazendo, o que eu queria mesmo era dirigir um daqueles caminhões. Lembro até dos modelos, mesmo tendo passado mais de 20 anos; tinha um Ford cara larga azul, com baú, pois era o que transportava ovos, dois Chevrolet também cara larga, um Chevrolet d 40 que transportava ovos dentro da granja, um MB 1113 truk, o ano deveria ser 80 e poucos, pois era frente e painel quadrado, a cor era o vermelho vinho, muito lindo, também tinha uma MB 1214 branco.

Então, já que eu não tive chance de começar lá dentro da granja, eu preferi sair. Foi nessa época que conheci minha esposa Gilvanda, que eu amo de paixão, minha eterna companheira, me apóia em tudo, mesmo quando os meus sonhos parecem loucura. Começamos a namorar, e com um ano e meio, juntamos os travesseiros, tive que adiar o meu sonho por mais um tempo, pois agora estava construindo uma família. Naquele momento, o amor estava falando mais alto que o sonho de ser caminhoneiro. Resolvi ir para São Paulo no ano de 1992, passamos 6 meses e voltamos. Quando voltamos de São Paulo, não tínhamos nada, até o pouco que tínhamos acabou, e mais, Vanda estava grávida, mas infelizmente a nossa filhinha não se criou, morreu logo ao nascer. Então, foi aí que voltei a trabalhar com meu pai, levei uma bronca, mas isso é normal, ele tava só querendo o melhor pra mim, passados dois anos, voltei pra São Paulo, dessa vez fiquei 2 meses, pois minha querida esposa estava grávida e eu queria acompanhar a gestação, pois lembrava da outra vez que perdemos a nossa filha, e infelizmente, mais uma vez perdemos também.

Resolvemos então que da próxima vez, faríamos uma consulta antes de engravidar, o tempo passou e nada do sonho se realizar, então foi aí que surgiu um trabalho de telefonista, não era grande coisa, mas era perto de casa, o salário era meio salário mínimo, mas tava bom demais. Com umas economias que trouxe de São Paulo da última viagem, resolvi tirar a minha CNH. O sonho estava próximo de se realizar, primeiro tirei a categoria ¨C¨, fiquei no posto telefônico dois anos, até que meu tio comprou um Toyota Bandeirante e me convidou para trabalhar para ele, fiquei 30 dias só, segundo ele, o que a prefeitura de Caruaru ia pagar, na época, não dava pra me pagar e manter o veículo. Então, voltei pra casa e disse pra mim mesmo que não voltaria pro posto telefônico.

Foi quando recebi a visita de um grande amigo que me emprestou o caminhão dele, para eu treinar antes de ir para o DETRAN tirar a CNH, e com uma boa notícia, a prefeitura do nosso município estava precisando de motorista, só que tinha um porém, era para transportar alunos em um ônibus escolar. Eu fiquei paralisado por segundos mas respondi que iria, mas cadê a experiência, foi aí que um amigo, atualmente falecido, mas que devo esse favor para ele, me colocou no ônibus e saímos para fazer um teste, rodamos mais ou menos uma hora, ao voltar para a cidade, ele disse estar pronto, pode entregar o ônibus a ele que ele dá conta. Eu não sabia se chorava ou sorria, mas o mais importante eu tinha feito.

Então, como eu havia dito, eu estava começando a realizar meu sonho, porque meu sonho era dirigir caminhão e não ônibus, mas pra quem esta começando, não pode escolher muito, fui a luta, e que luta, o ônibus era um MB 352A, ano 1970, direção mecânica, motor de 1113 maçarico, a alavanca para abrir a porta era no braço. Mas eu estava feliz, só quem não ficou muito contente foi minha esposa. Ela começou a ter ciúmes, pois o ônibus vivia cheio de alunas, mas eu expliquei que eu era o motorista de todos os alunos e só. Fiquei dois anos com esse ônibus. Essa época eu sofri a minha maior perda, o meu querido pai veio a falecer devido a um AVC, ele se foi com quarenta e oito anos, tão jovem, mas a vida é assim mesmo, nascemos, crescemos, reproduzimos e morremos, mas a vida tinha que continuar. Um belo dia, meu tio perguntou se ele comprasse um caminhão eu iria trabalhar com ele? Apesar de eu estar afetivado na prefeitura, eu disse sim, eu vou, pois era a realização do meu sonho, tive que entregar o serviço a prefeitura naquele dia mesmo, pois eu já tinha avisado para eles que na primeira oportunidade sairia, pois o que eu ganhava não estava dando.

Daí em diante foi maravilhoso, fiz a minha primeira viagem, não foi muito longe, mas pra quem só tinha ido até a capital e também até Arcoverde, pouco mais de 150 Km, era muito bom, fui até Belém do São Francisco, 350 Km, buscar cebola. Fiz algumas viagens com esse mesmo destino por alguns meses e depois fui até Juazeiro da Bahia. Para encurtar a história, rodei de Recife a Juazeiro durante 3 anos e meio com um 1113 ano 86, depois vendeu e comprou o 1518/88, que infelizmente, dei um cochilo e tombei, fiquei só quase 4 anos, levava fertilizante para o sertão e trazia cebola para Caruaru. Mas a vida não acabou, estou vivo e pretendo, antes de ficar muito velho, já que tenho 40 anos, dirigir um caminhão novamente, estou pensando em vender minha casa, e comprar uma mais barata, mesmo que seja afastado do centro,

O que sobrar, compro um toquinho, tem pessoas que falam que estou louco, o que vocês acham? Depois de ficar quatro meses em um leito de hospital só olhando pro teto, cheio de feridas, e dois anos após meu acidente ter perdido minha avó que eu tanto amo, quero viver e fazer tudo que me der vontade, e uma das que vou fazer é dirigir um caminhão, sei que parece loucura, mas vou tentar. Olha pessoal, mesmo com todas as dificuldades, posso dizer eu sou feliz, tenho minha esposa Gilvanda, meu filho Mateus, nossos amigos Almir e Luciete, Givaldo e Dapaz, meu gato Pingo e uma cadela chamada Safira, uma casa, um carro usado que representa minhas pernas quando preciso sair de casa, moro próximo de quase toda minha família. Eu não tenho o direito de reclamar da vida, faço parte do grupo de oração terço dos homens da paróquia de Santo Antonio da cidade de Agrestina, onde moro.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *