Valéria

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Aos 11 anos de idade, eu tive Artrite Reumatóide Juvenil (ARJ): Inflamação nas articulações, doença auto imune e degenerativa. Aconteceu de um dia pra o outro, estava acordando pra ir à escola, fui me levantar da cama, e simplesmente não levantei.
 
Cai no chão! Não conseguia andar porque sentia dores horríveis e não conseguia ficar em pé! Daí pronto! Acabou minha vida!
 
Nesse dia fui engatinhando para o quarto da minha mãe, pedir ajuda! Desse dia em diante começou a luta por descobrir o que eu tinha! (detalhe: sem andar)
 
Demoramos (minha mãe e eu) quase um ano pra descobrir o que eu tinha, pois passava sempre com pediatras, que não conhecem a fundo a doença. Enquanto isso, a doença se desenvolveu bastante, e fui para a cadeira de rodas. Fiquei 1 ano e meio sem andar.
 
Mas não exatamente na cadeira de rodas, porque eu nunca aceitei cadeira de rodas, e nem muletas, então fiquei 1 ano e meio na cama.
 
Alguns membros começaram a ficar deformados (por tratamento errado). Tive deformação de punho e pés logo no início. Deformei não só por falta de movimento (é uma conseqüência da doença), mas por ser uma doença degenerativa , é uma conseqüência esperada! Na época eu e minha mãe não sabíamos disso.
 
E quando os pediatras viram que não tinha o que fazer (as consultas eram feitas em casa, de tão ruim que eu estava) chamavam minha mãe no canto e diziam: Mãe cuida dela, porque você vai perdê-la (isso ela me contou somente anos e anos depois).
 
Enfim, ate chegar num Reumatologista, a doença se desenvolveu horrores…
 
Comecei a me tratar, e somente 4 anos depois, que passei a andar “sozinha” nas ruas (mancando e muito vagarosamente).
 
Meu dedos (que deformaram e entortaram) voltaram ao lugar, consegui desfazer a deformação com anos de fisioterapia, mas perdi movimento do punho esquerdo. É uma doença sem cura, portanto tenho até hoje!
 
Trato-me até hoje! A cirurgia nos tornozelos (Pan Artrodese) foi uma das conseqüências da doença! Como tive um tratamento fraco, com poucos recursos no início, tenho seqüelas, isso é o que atrapalha minha vida! (E no momento estou com a ARJ em atividade “severa”.)
 
Foram anos complicados, na pré-adolescência vi os anos se passarem pela janela ou em frente a TV! Estudava em casa! E não tinha o que fazer…
 
Lembro de uma conversa (ainda com 11 anos) que tive com um pediatra… Perguntei pra ele, quando eu melhoria, quando eu ia sarar? (adoeci em maio de 1998, e isso era agosto de 1998).
 
Ele me respondeu, ate novembro menina, no seu aniversário, você estará ótima (ainda não sabiam o que eu tinha).
 
Esperei ansiosamente por novembro! Nossa, essa seria a data da minha libertação da cama, das dores, das limitações, do medo e do sofrimento! Chegou novembro, passou novembro e veio o mês de dezembro! Foi a primeira e única vez que chorei pra minha mãe em relação a essa doença.
 
Cheguei nela e disse, "mãe novembro passou, o médico mentiu, eu nunca mais vou andar (imagina minha cabeça com 11 anos de idade)."
 
E desse dia em diante minhas orações passaram a ser: Deus, se eu não for andar mais, tira minha vida, eu não nasci assim e não quero viver assim! (Todas as noites eu repetia isso).
 
Mas enfim, os tratamentos continuaram depois de forma correta com Reumatologistas (após um ano e meio sem andar), fui melhorando aos poucos – nunca fiquei 100% -, voltei para a escola, passei a andar sozinha (depois de 4 anos de tratamento).
 
Depois de 5 anos melhorei muito, comecei a fazer coisas que jamais pensei fazer mais!
 
Estudava, fazia vários cursos, andava. (Nunca mais corri, pulei)
 
Depois da maior idade, comecei a sair com as amigas, a viajar, enfim a viver! (Aprendi a conviver e aceitar a dor, me tornei muito tolerante a dor, então me sentia estável, mesmo tendo dores diárias).
 
Não tenho os movimentos dos tornozelos, tenho punho esquerdo atrofiado, ombro e cotovelo direito atrofiados e em plena atividade da doença, tenho limitação de movimento para muitas coisas, e muita das vezes, coisas que para uma pessoa normal é super simples, como pentear o cabelo, tomar banho, abrir uma porta ou torneira, sentar-me em lugares baixos, agachar-me, correr, pular, andar normalmente sem pensar nos minutos que agüentarei ficar em pé, levantar os braços! Não tenho mais membros tortos, mas consegui recuperar a forma, não o movimento!
 
Estou em casa, por licença médica da cirurgia do tornozelo, e farei outra Artrodese no outro tornozelo. Estou em crise de Artrite, e sabe Deus quando retomarei a minha vida diária (trabalhar, estudar, passear, viajar).
 
Enfim, tenho limitações, tudo que eu me proponho a fazer, o sacrifício é dobrado, sou dependente de remédios para continuar andando! E tenho na memória momentos horríveis de tudo que passei desde meus 11 anos de idade.
 
Ainda hoje me pergunto, por que comigo?  Se eu era uma criança tão feliz!!
 
Ainda hoje passo noites em claro chorando relembrando tudo! Ainda hoje não me conformo com tudo que vivi e tenho que viver!
 
Tentando resumir, minha história é essa. Dos 11 aos 23 anos, são muitas coisas, impossível contar detalhes por detalhes!
 
Eu nunca vou mudar o que vivi, muito menos esquecer, me conformar talvez… Mas dói, fisicamente e emocionalmente!
 
Já vi olhares de pena pra mim, de compaixão do tipo: tão nova e “assim”, outros de admiração porque faço e me proponho a fazer coisas que pessoas saudáveis não têm disposição para fazer!
 
Hoje não me assusto tanto quando me vejo em casa, sem poder sair por alguns dias ou meses, porque sei que uma hora vai passar e logo vou estar em pé e bem (na medida do possível). Mas com 11 anos, eu não sabia disso, tive medo e pedi a morte!
 
Foi difícil pra mim me assumir deficiente física; somente há um pouco mais de 2 anos que aceitei essa condição, eu nunca aceitei que se referissem a mim como deficiente, hoje não me importo, isso não é defeito, ou escolha é uma circunstancia da minha vida!
 
Nunca usei cadeira de rodas, mas agora adulta menos assombrada com as coisas, quando operei o tornozelo acabei usando, e agora mais do que nunca eu respeito um cadeirante ou qualquer pessoa que tenha alguma deficiência, porque sei que não é fácil viver com elas….
 
Eu vi pessoas muito piores do que eu (em médicos, fisioterapias), pessoas completamente deformadas… Mas aprendi que não existem comparações!
 
O meu problema não é maior do que do outro; nenhum problema de alguém não é maior do que o meu…
 
Porque cada um sabe da sua própria vida, vive a vida, sente a vida individualmente, cada um sabe o grau da sua dor, das suas expectativas, dos seus sonhos, das suas lutas.
 
A minha vida, é somente minha, se eu não pensar nela (pensar em mim), ninguém o fará por mim, ninguém sofrerá por mim, ninguém viverá por mim! Então, não comparo, não ponho em balança, não me justifico diante as pessoas! Seu problema em comparação pode até ser menor que o meu, mas só você sabe o peso, a dor e o sofrimento que ele tem pra você!
 
“O dia que dei o meu primeiro passo apos ficar 1 ano e meio sem conseguir ficar em pé, parecia ser uma coisa impossível de se fazer, parecia ser o feito mais incrível que fiz durante toda minha vida! Aquele foi o dia mais feliz de todos os tempos!” Preciso ser forte, guerreira, otimista (mesmo sendo difícil), preciso lutar não é? Afinal, ninguém o fará por mim!

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