“Foi a melhor decisão que eu tive na minha vida”, conta a mãe da Maria Vitória. “A minha vida seria totalmente sem graça se não tivesse eles aqui”, diz Fabiana, mãe dos gêmeos Raíssa e Benjamin.
Essas famílias nunca imaginaram que adotariam uma criança com deficiência. Maria Vitória, de 2 anos, foi abandonada pelos pais biológicos e passou o primeiro ano de vida em uma UTI. A médica Fernanda, que fazia estágio no hospital onde a menina foi deixada, acompanhou a história de perto.
“A Maria Vitória tem mielomelingocele, que é uma alteração da medula. Ela não mexe as pernas. Ela tem um pouquinho de dificuldade de manter o pescocinho duro. Ela tem outra complicação, que chama Síndrome de Arnold Chiari Tipo 2. Um dos sintomas é dificuldade para engolir. Ela respira por um tubinho na traqueia. Ela come por um botãozinho dentro do estômago, uma sonda”, conta Fernanda Godoi.
Fernanda não conseguia tirar Maria Vitória da cabeça. “A Fernanda chegava em casa e contava: ‘Ah, mãe! Conheci uma menininha, você precisa ver, é a coisa mais fofa' e começou a contar a história’”, revela Mônica Alves, fisioterapeuta.
“Voltava todo final de semana para minha casa, chorava de saudade. Queria ela de volta. ‘Pai, mãe, tem uma criança abandonada’. Um dia, eles desejaram conhecê-la”, lembra Fernanda.
“Eu olhei pra carinha dela, ela olhou na minha cara e mandou um beijo. A gente ficou tudo assim, bobo”, lembra a mãe da Fernanda e da Maria Vitória.
“Na hora que minha mãe viu, falou: ‘eu quero essa criança’. “Eles estavam em outra fase da vida. Os dois filhos criados já, podendo curtir, viajar, e, de repente, uma criança de um aninho vindo para casa, especial”, conta Fernanda.
“Foi tudo muito rápido. Entre a gente conhecer ela e ela vir pra casa demorou um mês e meio”, lembra a mãe de Maria Vitória. Fernanda passou a ser irmã de Maria Vitória. “Tudo parece que se encaixou. Foi muito incrível”, afirma Fernanda.
Casal se surpreende ao procurar o Cadastro Nacional de Adoção
Marcos e Fabiana não conseguiam ter filhos. “Eu falava muito para ela: 'vamos tentar pensar de uma forma diferente. Talvez, a gente não saiba agora o porquê. Mas tem um motivo’. Mal sabíamos o que estava vindo pela frente”, diz Marcus Clarck, engenheiro mecânico. Veio, então, a ideia da adoção.
“No começo, nós optamos por um filho, até dois anos de idade, menino ou menina, e sem deficiências”, conta Fabiana. O casal procurou o Cadastro Nacional de Adoção, e esperou por um ano, até que Fabiana foi chamada. “E eu saí de lá com o nome de duas crianças: ‘Raíssa e Benjamin’. Que eram os meus filhos”, conta Fabiana Clarck, engenheira química.
“Ela começou a contar. Olha, parece que são gêmeos, três anos e meio, já era diferente do nosso perfil”, lembra Marcus. “A gente começou de um jeito e acabou, na prática, de um jeito totalmente diferente. A gente foi abrindo nosso coração. A gente queria ser só pai e mãe. A gente queria ter uma família, sem muita condição”, diz Fabiana.
Três dias depois, foram ao abrigo onde os gêmeos viviam. Raíssa e Benjamin nasceram com paralisia cerebral. “Eu olhei para Fabiana para ver quem iria olhar primeiro. Fui eu. E, no momento que eu vi, no momento que eu vi, eu estava olhando para o meu filho. Eu sabia que eu estava olhando para o meu filho. Foi uma ligação imediata. O Benjamin abriu os bracinhos e veio no meu colo. E duas tias que estavam lá olhando, elas ficaram emocionadas. Falei: ‘por que vocês ficaram emocionadas?’ ‘Porque o Benjamin não vai em colo de homem. Quando ele foi no seu colo… Ele achou o pai’”, conta Marcus, muito emocionado ao lembrar da cena.
“Foi um momento mágico. As deficiências das crianças, a gente quase não se importou com isso, porque elas eram tão maiores do que aquilo. Elas se mostravam tão maiores do que aquela deficiência, que aquilo, naquele momento, era um detalhe”, afirma Marcus. “A Raíssa, eu achei ela a menina mais linda, a minha princesinha tanto sonhada. Ela era perfeita”, conta Fabiana.
"A assistente social falou: ‘Raíssa, Benjamin, o Marcus e a Fabiana querem saber se vocês querem ser os filhinhos deles’. A Raíssa abriu um sorrisão, Benjamin também", relata Marcus. "Foi o sorrisão mais lindo! Um sim assim… Um sorriso tão sincero, tão feliz, que era o que ela queria”, diz Fabiana ao chorar com a lembrança.
Problema para o baixo número de adoções de crianças com deficiência
Essas famílias são exceções. No Brasil, 5.673 crianças estão cadastradas para adoção. Dessas, mais de 20%, têm, ao menos, alguma doença ou deficiência. Mas dados recentes mostram que apenas 7,5% (33.207) dos pretendentes aceitariam crianças nessas condições.
Para o especialista Antônio Carlos Berlini o problema não é só o preconceito. “O que acontece, muitas vezes, é que ninguém despertou a esse pretendente à adoção a se abrir para um caso especial. É necessário que o próprio poder judiciário informe a esse pretendente à adoção para essa categoria de criança”, explica o presidente da Comissão de Direito à Adoção da OAB-SP.
“Adotar uma criança especial, acho que assusta muito. Mas dá”, afirma Fernanda. “Filho normal também dá trabalho. E, às vezes, muito mais”, conta a mãe de Maria Vitória. “Tudo o que você faz pra ela tá bom. Se você tira da cama, ela ri. Se você coloca na cama ela ri também. Tudo pra ela está bom. Tudo pra ela é festa. Como você pode ter problema?”, diz o pai de Maria Vitória.
Quando questionada se sua família é tudo o que sonhou, Fabiana, mãe dos gêmeos Raíssa e Benjamin, diz: "Ela é muito melhor do que eu podia imaginar. E o fato de eles terem necessidades especiais, eu acho que torna tudo muito mais especial. Cada passo que eles dão, é uma vitória, uma conquista para toda família".
Fonte: G1