RESUMO – A publicitária Lakshmi Lobato, 37, viveu a maior parte da vida entendendo as palavras faladas apenas com leitura labial. Ficou surda aos nove, após uma caxumba. Há dois anos, fez cirurgia de implante coclear, com maior taxa de sucesso em crianças, e voltou a se encontrar com sons. O caso é considerado exemplar por médicos. Escreveu "Desculpe, não ouvi!" e foi a Londres falar inglês.
"Há cerca de dois anos, depois de uma mais de duas décadas de surdez profunda, fiz o implante coclear [dispositivo colocado no cérebro que pode permitir a audição] e minha vida não parou mais de se transformar e evoluir.
Comecei a dar palestras, escrevi um livro sobre a minha experiência e recuperei uma personalidade que havia ficado trancada na minha infância, mais espontânea, mais corajosa, mais agitada.
Antes de colocar o dispositivo, tinha uma necessidade de omitir a minha deficiência, era mais tímida.
A minha voz tinha um sotaque carregado, porque me fazia falta um feedback auditivo claro, e a cada vez que eu falava, era preciso explicar para os outros que eu fazia leitura labial, por isso podia conversar normalmente.
Depois do implante, algo mexeu com os meus brios, tenho orgulho de ter uma tecnologia que resolve um problema constante na vida de milhares de pessoas, que é o de comunicação.
No começo, porém, é muito difícil. Os sons são chiados, parecem uma estação de rádio fora da sintonia. Mas, com calma, você vai descobrindo a emoção por trás de uma palavra, de uma música e até de um grande barulho.
Os sons do cotidiano são maravilhosos: a chuva caindo, o miado do gato, o bebê chorando. Tudo isso torna o dia da gente completo e poucos se dão conta.
Eu ouvi até os nove anos de idade e fiquei surda após uma sequela de caxumba. Por isso, em alguns momentos, tive a sensação de reencontro com alguns sons.
OUTRAS LÍNGUAS
Até os meus 23 anos, achei que jamais falaria outro idioma, porque eu não ouvia os sons. Aprendi a ler e a escrever em inglês, mas falar, nem pensar. Impossível.
Mas aí ganhei da minha mãe uma viagem para a França e descobri que dava para fazer leitura labial do francês, que tem parte de sua raiz latina. Voltei para o Brasil, encontrei uma professora disposta que foi me ensinando pacientemente o idioma e hoje sei o básico, apenas usando o córtex visual do cérebro.
Era muito cansativo, mas não tinha outra opção. Tinha de aprender daquela maneira, com muita concentração e esforço físico para fazer os movimentos corretos com a língua, com a boca.
Depois do implante, quis tentar falar inglês. É um trabalho maior, pois me exige demais da audição para entender a pronúncia, mas, mesmo assim, ainda preciso usar a leitura labial.
DESAFIO
Ganhei uma bolsa para estudar em Londres, da Fundação de Otorrinolaringologia de São Paulo, como incentivo para outras pessoas. Poder realizar esse sonho me deixou em pânico, mas é um desafio e a gente precisa enfrentar, testar limites.
Mas, em Londres, terei facilidades que ainda não encontro no Brasil. Em diversos locais como no metrô, em igrejas, em cinemas, e também em táxis existe um aro magnético que passa informações úteis, sem ruídos, diretamente para o aparelho em meu ouvido.
Ele filtra os diversos sons ambiente e me repassa apenas o que é fundamental para a orientação, por exemplo."
Fonte: Folha de São Paulo