Seminário internacional debate HIV e saúde sexual de PCDs

Debates abordaram as barreiras que impedem o acesso das pessoas com deficiência aos serviços de saúde, aos métodos contraceptivos e aos meios de prevenção às infecções sexualmente transmissíveis (ISTs)

Em fundo azul, ícones da deficiência intelectual, visual, motora e auditiva em branco, dispostos lateralmente
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Os desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência (PCDs) para viver plenamente a sexualidade foram tema de um seminário internacional no Rio de Janeiro, no último dia 8. Promovido pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Centro de Promoção da Saúde (CEDAPS), o evento reuniu cerca de 70 pessoas do Brasil e de países da América do Sul para discutir inclusão e acessibilidade.

Os debates abordaram as barreiras que impedem o acesso das pessoas com deficiência aos serviços de saúde, aos métodos contraceptivos e aos meios de prevenção às infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Especialistas, gestores e representantes da sociedade civil também discutiram convenções e legislações sobre o assunto, além de avaliar políticas públicas para a promoção de uma vida sexual saudável e com qualidade.

O I Seminário Internacional de Saúde Sexual Reprodutiva, HIV e Pessoas com Deficiência e a II Mostra Caminhos da Inclusão: Direitos Sexuais, HIV e Deficiências tiveram a participação de adultos e jovens com deficiências, vivendo e convivendo com HIV/Aids. Também estiveram presentes acompanhantes, pesquisadores, oficiais de governo e integrantes de movimentos sociais do Brasil, Argentina e Uruguai, além de agências das Nações Unidas.

“O UNFPA preconiza o acesso a insumos de prevenção, contraceptivos e o acesso aos direitos e à saúde sexual e reprodutiva de forma plena, incluindo os temas de gravidez e de ISTs, sobretudo entre jovens. Temos o compromisso dos governos de assegurar o acesso à saúde sexual e reprodutiva, inclusive a pessoas com deficiência, muitas vezes não alcançadas pelos serviços e pelas políticas públicas”, ressaltou o oficial de programa para a área de Juventude do UNFPA, Caio Oliveira.

“Temos nesse evento parceiros do Uruguai, da Argentina, do governo e da sociedade civil do Brasil – pessoas do movimento de HIV/Aids e movimentos de pessoas com deficiência. São pessoas que têm trabalhado para quebrar o tabu da sexualidade da pessoa com deficiência e para mostrar a realidade da pessoa que vive com o HIV. São construções que conseguimos fazer ao longo do tempo e que vão avançando”, acrescenta a diretora-executiva do CEDAPS, Katia Edmundo.

Experiências internacionais

Ao longo do seminário, experiências em diferentes áreas e países foram compartilhadas. Da Argentina, vieram dados sobre pessoas com deficiência e sexualidade. Segundo Constanza Leone, especialista em saúde sexual e reprodutiva, 10% da população vive com alguma deficiência no país. Esse número significa que 27,5% dos domicílios são o lar de ao menos um indivíduo com deficiência. Isso se traduz em desafios como educação sexual integral, direitos durante a gravidez, parto, pós-parto e pós-aborto.

“Também há algumas dificuldades relacionadas ao gênero que se agravam com pessoas com deficiência. Por exemplo, quando uma pessoa trans com deficiência depende de outra para trocar de roupa. É uma situação mais sensível e que merece atenção”, explicou Leone.

Para a especialista, os maiores obstáculos ainda estão em garantir a autonomia das pessoas com deficiência, sem discriminação. “O conhecimento e o respeito estão diretamente relacionados com o consentimento informado das pessoas. Isso precisa de atenção, por exemplo, quanto ao uso de método contraceptivo e a escolha do melhor método”, disse.

A diretora do Programa Nacional de Deficiências do Ministério de Desenvolvimento Social do Uruguai, Begoña Grau, também alertou para as barreiras à independência e ao respeito. De acordo com a gestora, estudos feitos no país levaram à percepção de que era necessário não apenas ouvir as pessoas com deficiência, mas incluí-las na formulação e no monitoramento de políticas públicas.

“Pesquisa realizada no Uruguai mostrou a necessidade de criar uma área de gênero dentro das secretarias de deficiência. Também uma secretaria de saúde sexual de pessoas com deficiência e uma estratégia de divulgação, sensibilização e capacitação. O grande desafio do processo de políticas públicas é envolver a sociedade civil organizada de pessoas com deficiência em todo o processo”, ressaltou.

Dados apresentados pelo assessor do UNFPA para HIV/Aids no Uruguai, Juan Meré, ilustram o problema da inclusão — sete em cada dez mulheres com deficiência sofrem violência física ou sexual no país, 70% das pessoas com deficiência estão desempregadas e 85% dos cidadãos que precisam de cadeiras de rodas não têm acesso ao aparelho.

“Inclusão, participação e a visibilidade são fundamentais. Não se pode fazer programas para pessoas com deficiência sem as pessoas com deficiência. A declaração forte dessas pessoas precisa ser traduzida em ações, no desenho de programas e no monitoramento dos resultados”, defendeu o representante da agência da ONU.

Meré destacou ainda a importância de unir experiências em torno de pautas similares, como é o caso de pessoas que vivem com o HIV e que têm ou que desenvolveram alguma deficiência por causa da infecção pelo vírus da Aids. “Precisamos tentar gerar oportunidade de diálogo com todos os coletivos daquelas pessoas que se sentem excluídas, discriminadas, violentadas, porque isso mostra muitas vezes causas que são comuns e que podem se aliar. Essa é a importância do enfoque interseccional.

Questões brasileiras

Também presente no seminário, o procurador da República do Ministério Público Federal do Brasil (MPF), Jorge Medeiros, afirmou que cerca de 10% dos crimes sexuais registrados no país são praticados contra pessoas com deficiência. Segundo o magistrado, um indivíduo com deficiência tem de quatro a dez vezes mais chances de ser vítima de violência sexual do que uma pessoa sem deficiência. Embora os números sejam bastante altos, eles representam apenas parte do problema, já que muitos casos são subnotificados.

“Há uma enorme cifra oculta, uma enorme subnotificação desses crimes sexuais. Não é à toa. Muitos órgãos que deveriam registrar e oferecer acolhimento acabam revitimizando as pessoas”, alertou o procurador.

“Essas violências cotidianas acabam recebendo uma resposta muito reduzida, o que prejudica as estatísticas também. Nesse cenário, a prevenção e proteção à vítima tem que ser prioridade, mais que a resposta individualizada ao agressor”, completou o jurista.

Ainda de acordo com Medeiros, a atuação da sociedade civil é fundamental no enfrentamento do problema. “O trabalho dos movimentos, a responsabilização institucional, é o que tem permitido os pequenos avanços nessa área. E o meu grande pedido é que sigam em frente com o ativismo porque é isso que dá resultado.”

Para o coordenador-geral do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e representante da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Wanderlei Marques de Assis, tão importante quanto enfrentar os problemas e manter os movimentos da sociedade civil ativos, é incluir as pessoas com deficiência na elaboração de políticas públicas.

O gestor lembrou que, além dos desafios diários enfrentados por essa população, há ainda o preconceito e o tabu. “A lei brasileira da pessoa com deficiência inclui vários direitos que acabam invisibilizados, como os direitos sexuais e reprodutivos”, apontou o gestor.

“Os governos muitas vezes não sentem a nossa dor – não são pessoas com deficiência, não são da sociedade civil. Por isso a importância da sociedade civil, com toda sua luta e toda a dificuldade que tem para ser ouvida”, acrescentou Assis.

“Precisamos estar unidos nessa luta”, enfatizou a coordenadora de programas do UNFPA, Tais Santos.

“Os direitos sexuais e reprodutivos existem no papel, mas acabam sendo outras na realidade, em especial para mulheres e adolescentes com deficiência. Muitas sofrem com a violência sexual, enfrentam estigma e discriminação. A posição do UNFPA é de um basta — não podemos mais aceitar isso. E com empoderamento, uma nova história está próxima de se tornar realidade.”

Fonte: Nações Unidas do Brasil

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