“Falta muita compreensão e informação diante do comportamento das crianças com espectro autista. Isso muitas vezes faz com que as famílias não saiam de casa com as crianças. Sair de casa já uma dificuldade, e ainda temos que lidar com situações que não são causadas por nossos filhos, mas sim pelo preconceito dos outros. Ainda assim, definitivamente, ficar em casa não resolve o problema.”
O relato acima é de Amanda Marchioreto, psicopedagoga e mãe do Leonardo, que tem cinco anos e foi diagnosticado no transtorno do espectro autista aos três. A família mora em São Paulo e costuma frequentar alguns espaços culturais como as feiras da Praça Elis Regina, Parque da Água Branca, parques de jogos eletrônicos e Sesc Pompeia, na zona oeste da cidade. E, desde 2015, passaram a ir também ao cinema, pois nasceu o projeto “Sessão Azul – sessões de cinema adaptadas para crianças com distúrbios sensoriais e suas famílias”, criado pelas psicólogas Carolina Salviano e Bruna Manta e pelo gerente de projetos de TI (tecnologia da informação) Leonardo Cardoso.
“Após anos escutando, observando e vivenciando experiências de famílias de pessoas com Transtornos do Espectro Autista (TEA), identificamos vários casos em que muitas vezes elas deixavam de ter convívio social por receio ou em, alguns casos, até vergonha da reação do autista em situações que para ele talvez não sejam tão confortáveis, como por exemplo, ir ao shopping, restaurantes, frequentar festas, ou ir ao cinema”, contou Leonardo ao Catraquinha.
O TEA é uma condição geral para um grupo de desordens complexas do desenvolvimento do cérebro, antes, durante ou logo após o nascimento. Esses distúrbios se caracterizam, entre outras características, pela dificuldade na comunicação social e por comportamentos repetitivos. Embora todas as pessoas com TEA partilhem essas dificuldades, o seu estado irá afetá-las com intensidades diferentes. Assim, essas diferenças podem existir desde o nascimento e serem óbvias para todos, ou podem ser sutis e tornarem-se mais visíveis ao longo do desenvolvimento.
Fonte: Autismo e Realidade
Mas, como assim? Como funciona uma sessão de cinema adaptada para crianças com distúrbios sensoriais?
As pessoas com autismo podem ter alguma forma de sensibilidade sensorial. Isto pode ocorrer em um ou em mais dos cinco sentidos – visão, audição, olfato, tato e paladar – que podem ser mais ou menos intensificados. Por exemplo, uma pessoa com autismo pode achar determinados sons de fundo que outras pessoas ignorariam insuportavelmente barulhentos. Isto pode causar ansiedade ou mesmo dor física. Alguns indivíduos que são subsensíveis podem não sentir dor ou temperaturas extremas. Algumas podem balançar, rodar ou agitar as mãos para criar sensação, ou para ajudar com o balanço e a postura, ou para lidar com o stress; ou, ainda, para demonstrar alegria. Fonte: Autismo e Realidade
Antes de tudo, as crianças estão livres dos trailers comerciais. A sala de cinema permanece com as luzes levemente acesas, o som mais baixo e a plateia está livre para andar, dançar, gritar ou cantar à vontade. “Sempre achei que, ao entrar na sala escura, o Leonardo travaria, ou sairia da sala que as luzes se acendessem imediatamente. Manter o local com as mesmas características é fundamental para ele poder ficar na sala de cinema”. A mãe também pontuou que poder andar durante a exibição é um fator muito importante. “O fato de ele estar em movimento não significa que não esteja assistindo ao filme. Essas peculiaridades do meu filho e outras características que existem em pessoas com TEA impossibilitam nossa ida ao cinema com as regras de comportamento convencionais”.
É importante dizer que os filmes são exibidos principalmente para as crianças com distúrbios sensoriais, porém elas são públicas. “Todos são muito bem-vindos as Sessões Azuis, pois é com a ajuda de todos que conseguiremos desenvolver a verdadeira inclusão e socialização”, lembra Leonardo.
Amanda, que também é professora e frequentadora assídua das sessões, explica que a família usa, inclusive, os passeios como um “treinamento”. A ideia é que ele se acostume com o ambiente e que consiga assistir ao filme o máximo de tempo possível, até que esteja preparado para as salas de cinema tradicionais. “Nosso sonho é levar o Léo para o cinema e que possa apreciar filmes tanto quanto nós, pais, gostamos. Mas já dá para perceber que ele gosta de ir ao cinema, tem os momentos em que ele assiste compenetrado, outros assiste mais agitado, come pipoca e toma refrigerante, corre na frente da tela, para quando tem cenas de humor físico, voltando a prestar atenção. Ele ainda não fala, mas podemos sentir a sua alegria e satisfação após cada sessão de cinema”, finaliza.
Desde dezembro de 2015, foram realizadas mais 70 sessões, atingindo mais de oito mil pessoas, espalhados em 14 cidades brasileiras, sendo para muitas delas a primeira experiência no cinema com seus filhos.
Os organizadores estão muito felizes com os resultados. “Hoje já temos alguns casos de famílias que, após a participação em algumas exibições, passaram a frequentar sessões regulares sem receio da reação de suas crianças. Principalmente devido a estes resultados, temos certeza de que estamos no caminho certo e que precisamos continuar”.
Fonte: Catraquinha